Entrevista – Adyr Mulinari

Dr. Adyr Soares Mulinari – 08/10/1927 – +02/12/2017

Um personagem especial numa entrevista descontraída, reveladora e autêntica. É isso que você confere, em nosso bate-papo, com o Professor Adyr Soares Mulinari, uma das mais conceituadas autoridades em NefrologiaMed On Line gostaria de agradecer as presenças dos doutores Istênio Pascoal, Cibele Isaac Saad, Rogério Mulinari e Augusto Lafitte que muito contribuiram para este bate papo.

O Editor

Dra. Cibele: Professor Adyr, como a Nefrologia surgiu na sua vida?

Prof. Adyr: A Nefrologia começou a entrar na minha cabeça uns seis anos antes de ir para os Estados Unidos em 1961. Iniciei a minha profissão em 1952 como assistente voluntário da disciplina de técnica operatória na então Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná. O professor catedrático na época se entusiasmou muito comigo e eu também com ele. Atuei uns dois anos como docente de técnica operatória e, decorrente disso, fui me dedicando mais à cirurgia. Nesta época, tornei-me amigo de um professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade, Dr. João Átila Rocha, professor de urologia e cirurgião muito competente.

Com esta aproximação comecei a me preocupar mais com o aparelho urinário. Fazia muita cirurgia, mas também comecei a estudar fisiologia e balanço hidro-eletrolítico. Naqueles primórdios, ninguém sabia muito sobre eletrólitos. Acabei me dedicando mais a clínica médica, trocando o centro cirúrgico pelo raciocínio clínico. Foi quando iniciei com o Dr. Lisandro Santos Lima, um clínico de grande expressão e notoriedade em Curitiba, além de professor de propedêutica. Depois de dois ou três anos na clínica médica, ele me disse: “Você gosta tanto de rim, eletrólitos e bioquímica que nós devíamos encaminhar você para fazer Nefrologia”. 

Dr. Istênio: E o senhor aceitou a sugestão?

Prof. Adyr: Pouco depois, o Dr. Willem J. Kolff, inventor do rim artificial, esteve aqui em Curitiba. Conversamos longamente e ele disse: “Está ótimo, você vai para a Cleveland Clinic.” Procurando viabilizar a minha estada em Cleveland, fui atrás de uma bolsa da W. K. Kellogg Foundation.  Escrevi para o American College of Physicians e eles entraram em contato com Dr. Kolff. O American College aceitou a proposta e enviou dois representantes da W. K. Kellogg Foundation a Curitiba para me entrevistar em setembro de 1960. Me aconselharam a fazer o E.C.F.M.G., o tal “Board”.

Em abril de 1961 me concederam uma bolsa conjunta da W. K. Kellogg Foundation e do American College of Physicians para dois anos. No entanto, eu não iria mais para Cleveland, mas para Nova Iorque. Lá iniciei meu treinamento na Cornell University, trabalhando por seis meses no Bellevue Hospital e no New York Hospital, para uma adaptação em clínica médica. Acomodaram-me na International House na Riverside Drive em Nova Iorque. Deles recebi instrumental para exame clínico, aventais e bibliografia selecionada. Participava de reuniões clínicas e das “Grand Rounds” no New York Hospital duas vezes por semana e freqüentava as enfermarias do Bellevue em tempo integral nos demais dias da semana. Todos os “fellows” da  Kellogg Foundation tinham aulas de inglês para conversação três vezes por semana no Bellevue, precedidas de 15 dias de avaliação de conhecimentos no Laboratório de Lingüística da Cornell University. Lá conheci Lawrence Schrier, um clínico que estudava fisiologia renal e equilíbrio  hidro-eletrolítico.

Mais tarde, recebi uma nova visita do American College of Physicians para decidir o que deveria ser feito para o meu retorno ao Brasil. Ponderaram que, na época, a Universidade Federal do Paraná precisava mais de clínicos que de pesquisadores. Aconselharam-me a concentrar no treinamento em clínica médica e nefrologia com o Dr. Belding Scribner na University of Washington School of Medicine, em Seattle. 

Dr. Sebastião: Professor, em que ano foi isso?

Prof. Adyr: Foi em 1961. 

Dr. Sebastião: E sua ida para os Estados Unidos?

Prof. Adyr: Eu fui sozinho para Nova Iorque em maio de 1961. Um mês mais tarde, a Brasília e o Rogério chegaram. 

Dr. Sebastião: E essa proposta de ganhar alguma coisa por lá. Dizem que o primeiro salário que recebeu, em dólar, te animou a voltar para o Brasil?

Prof. Adyr: Dr. Scribner já era genial na época. Lá fiquei aprendendo predominantemente Nefrologia Clínica por 1 ano e meio. Aprendi a realizar biópsia renal percutânea e a interpretar a histopatologia renal. Aprendi a fazer hemodiálise aguda e diálise peritoneal aguda e crônica. Na época surgiu o acesso de Scribner que viabilizou a hemodiálise crônica. Os primeiros três hemodialisados crônicos foram atendidos em Seattle. Havia também muita pesquisa sobre eletrólitos.

Dr. Scribner e eu ficamos muito amigos. Quando ele não queria atender algum cliente, dizia: “Este é o Adyr, que sabe mais do que eu!”. Fui me entusiasmando com aquilo e achando que já estava preparado. Um dia ele me perguntou quando eu pretendia ir para Curitiba. Eu disse: “Não, Dr. Scribner, vou ficar mais um pouquinho por aqui”.

Ele me assegurou e disse que já podia ir, pois eu tinha preparo cirúrgico e era completamente diferente dos outros “fellows”. Lembrou que eu é que preparava o acesso e que começava a diálise. O acesso vascular da época era por uma fístula artério-venosa externa, com uma cânula inserida na artéria radial e outra em uma veia do antebraço. Lembrou que inicialmente chamavam o cirurgião para preparar o acesso artério-venoso, mas que logo eu comecei economizar renda para o serviço, porque eles não mais chamavam ou pagavam o cirurgião.

Quase ao final do meu período em Seattle, Dr. Kolff me convidou para passar um tempo na Cleveand Clinic. Ele me pagou de acordo com uma proposta que ele me fez por escrito. Percebi que o Dr. Kolff era realmente um grande inventor. Ele já trabalhava com coração artificial nos bezerros que mantinha no centro-cirúrgico experimental. A curiosidade ficava por conta da divisão da carne dos bezerros sacrificados ao final dos experimentos entre os “fellows”. Tinha muito gosto de remédio (risos) e um monte de heparina.

Dr. Kolff nos convidou para um final de semana de despedida e para conhecer a sua casa no campo, mas recomendou que levássemos a nossa roupa e a nossa comida, pois eles não almoçavam. Emprestou-me um Jeep e me deu um mapa. Compramos aquelas cestas de piquenique e na frente da casa dele armamos um cobertor e abrimos aquela cesta. A Brasília já tinha preparado de antemão a comida com aquelas coisas que os brasileiros estavam acostumados e ficamos comendo ali. Dr. Kolff e a sua esposa ficaram observando, sentados na varanda da casa. A certa altura a Brasília os convidou para sentar conosco no jardim. Eles vieram sem muita cerimônia e comeram a maior parte da comida (risos).

O Dr. Kolff escreveu para o Dr. Scribner ao final de minha estada e disse: “Nós queremos ficar com o Adyr em Cleveland”. Voltei para Seattle e o Dr. Scribner me mostrou a carta, mas eu disse que preferia ficar em Seattle, pois o ambiente era outro. Além disto, brinquei que eu não tinha grande apreciação por carne de boi com remédio” . Aí fui ficando

Pouco tempo depois ele foi enfático: “Você vai daqui a 15 dias, porque na minha cadeira você não vai sentar. Está pensando que vai para minha sala?” (risos). Respondi que não e só pretendia ficar mais um tempo ao seu lado. Nesta altura, ele já era um homem muito famoso, viajava muito e tinha o Robert (Bob) Eggström como segundo homem. Bob era um excelente nefrologista e eu aprendi muito com ele.

Dr Scribner me disse: “Olha, você vai levar 2 rins artificiais, todo o equipamento de laboratório e, se for para fazer bioquímica, você vai levar um fotômetro”. Ninguém entendia muito a respeito de fotômetros, pois usávamos um kit que fazia todos eletrólitos importantes à beira do leito, incluindo sódio, potássio e outros. Ele ainda me deu alguns microscópios, pois tinhamos a hábito de ver o doente, realizar exame de urina na enfermaria e discutir com os estudantes. Isso foi uma experiência muito boa que eu trouxe para o Brasil.

Dr. Sebastião: O senhor estava desconfiado que ia receber esse convite para voltar assim ou não?

Prof. Adyr: É uma coisa muito difícil, porque quando eu aceitei ir para os Estados Unidos, o American College of Physicians me fez assinar um termo de compromisso que eu voltaria para o Brasil. No entanto, eu ainda consegui ficar mais um pouco lá. Ao deixar Seattle, fui para Saint Louis onde se desenvolvia o melhor da Fisiologia Renal na época. 

Dr. Istênio: Quem era o nefrologista?

Prof. Adyr: O Saulo Khlar era professor titular, um colombiano e gênio. O Dr. Scribner nessa ocasião tinha muito prestigio. Eu lhe disse que gostaria de aprender um pouquinho de fisiologia renal e ele arranjou para que saísse direto da University of Washington em Seattle e fosse para a Washington University de Saint Louis, pois lá se fazia experimentos com separação do ureter e punção isolada. Eu fiquei lá mais 3 meses com o Saulo e aprendi a fazer uma porção de coisas, principalmente na área de eletrólitos. 

Dr. Istênio: E como foi a recepção do senhor no ambiente universitário de Curitiba?

Prof. Adyr: Foi muito boa, porque eu cheguei em Curitiba em abril ou maio de 63. Logo que retornei ao Hospital das Clínicas havia uma paciente na enfermaria de ginecologia, com insuficiência renal aguda. Falei: “Ela tem insuficiência renal aguda e vai morrer” e contei aquela história toda. Fez radiografia, uréia e creatinina. Eu trouxe o tal kit e medi o sódio, o potássio, o pH, o bicarbonato e os cloretos. Decidimos que ela tinha que fazer diálise. Havia no depósito do Hospital de Clínicas um hemodializador tipo “Twin Coil” da Cleveland Clinic guardada há 3 ou 4 anos. Nunca tinha sido usada. No entanto, não tinha “coil”, linhas extracorpóreas, nem solução de diálise. Por outro lado também não tinha líquido para diálise peritoneal. Aí pegamos um frasco com soro glicosado e acrescentamos sódio, bicarbonato, potássio, mais glicose e improvisamos uma solução de diálise peritoneal ali na beira do leito. Eu havia trazido os cateteres peritoneais que o Dr. Scribner tinha dado e fizemos a primeira diálise peritoneal aguda. A doente recuperou a diurese 5 ou 6 dias depois.

Quando voltei a Curitiba, estavam o Augusto Molinari, meu irmão, e o Augusto Laffitte, meu primo, estudando medicina. Disse a eles que deviam fazer residência em Ribeirão Preto, o primeiro em pediatria e o segundo nefrologia, pois Ribeirão tinha um excelente nefrologista.

Mais tarde, voltei outras duas vezes para Seattle, em 1966 e 1969, para aprender sobre transplantes. Fizemos o primeiro em Curitiba em 1973.

Dr. Sebastião: A diálise peritoneal foi a primeira no Paraná ou no Brasil?

Prof. Adyr: Bom, não sei dizer isso não. Acho que no Hospital das Clínicas da USP existia já um rim artificial, que era do Hamburger. Eu desconheço que tivessem realizado diálise peritoneal aguda em outro lugar no Brasil, mas é possível. Aí veio um aspecto curioso, foi o Santiag T. Böen, um indonésio que morava em Amsterdam, que nos ensinou a fazer diálise peritoneal crônica com um tubo de silástico quando ele esteve em Seattle a convite do Dr. Scribner, que o apelidou de Fred, pois era mais fácil de falar que Santiag em inglês! O tubo era implantado cirurgicamente no abdômen, tinha uma arruela embaixo e outra em cima, e um cateter era introduzido pela luz para iniciar a diálise. Quando se interrompia a diálise, uma tampa era adaptada, fechado o acesso. O primeiro paciente em diálise peritoneal crônica foi um doente que era sócio de um empresário poderoso e famoso até hoje. Este empresário disse que não queria que o sócio morresse. Avisou que dinheiro não era problema e que mandasse buscar todo o necessário. 

Dr. Sebastião: Professor como é que vocês se comunicavam? Por exemplo, o senhor, o Oswaldo Ramos, o Emil Sabaga.

Prof. Adyr: No começo éramos adversários, mas eu me tornei muito amigo do Oswaldo e por quem tive sempre muita estima e respeito. 

Dr. Sebastião: Ah, é?

Prof. Adyr: O Rio de Janeiro tinha o  Jaime Landman, ele era meu amigo, mas nunca foi muito de congresso, tinha também José Augusto Aguiar. A Bahia tinha o Heonir, um grande amigo. São Paulo era muito importante e tinha o Oswaldo e o Emil. O “Sul” tinha eu em Curitiba. É claro que éramos adversários, muito pela intensa competição. Foi o começo. Eu ia a São Paulo para falar sobre eletrólitos. Ia ao Incor, pois o Adib Jatene era muito meu amigo. Mandei vários de meus residentes para fazer cardiologia lá. Eu fui diversas vezes ao “Dante Pazzaneze” dar cursos. Nos fins de semana, eu dava cursos de equilíbrio hidro-eletrolitico Brasil afora. A gente estava começando, parecia que entender eletrólitos era para gênio, mas aquilo é uma coisa tão simples, depois que aprendemos, não é?

No dia que eu ganhei a eleição para presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, sucedendo o Aluisio da Costa e Silva e com o José Augusto Aguiar como vice, o Oswaldo me encontrou na escadaria e me disse assim: “Sabe, Adyr, vamos fazer o seguinte: se nós continuarmos inimigos, vamos acabar nos incomodando. Vamos ficar amigos?” Saímos no abraço (risos). Esta era a sua cabeça. Eu e o Oswaldo ficamos muito amigos. Depois veio o Marcelo e me dava muito bem com ele, mas menos com o Emil. Meus amigos em São Paulo eram o Marcelo na USP e o Oswaldo na Escola Paulista, sem dúvida. 

Dr. Istênio: Quem era o nefrologista em Ribeirão?

Prof. Adyr: Tive um bom relacionamento de trabalho e amizade com o professor Hélio Lourenço de Oliveira, uma pessoa brilhante. Ele foi chefe do Departamento de Clínica Médica na Faculdade de Medicina da USP-Ribeirão Preto e depois reitor na Unidade de São Paulo. Ele fazia trabalhos experimentais de rim e nós tivemos a oportunidade de conviver com ele nos anos 60 e 70. O Prof. Woiski do Departamento de Pediatria da USP-Ribeirão era  meu amigo e ele era um grande adversário de um professor de pediatria da UFPR. Na época, fomos a Ribeirão de automóvel propor ao Hélio que o Augusto Laffitte fizesse residência de clínica médica lá e explicar para ele o que eu pretendia, e ao Woiski que o Augusto Molinari fizesse residência em pediatria. Não tinha concurso, nem prova. Quando Augusto Laffitte voltou a Curitiba trouxe um outro aspecto para a Nefrologia e mais comunicação com a USP de Ribeirão.

Dra. Cibele: Que cargos o senhor já teve?

Prof. Adyr: Eu saí daqui de Curitiba como professor assistente. Fui Assistant Professor da Universidade de Washington em Seattle. Ao retornar para a UFPR fiz concurso para professor adjunto, que era o equivalente a professor associado. Mais tarde, fiz um concurso para professor titular de Clínica Médica com um trabalho pioneiro sobre Neuropatia Periférica em pacientes com insuficiência renal crônica, tratados por diálise peritoneal ou por hemodiálise. Na administração, fui chefe do departamento de Clínica Médica, fundador e coordenador da pós-graduação em Medicina Interna – nível mestrado e diretor do Setor de Ciências da Saúde da UFPR. Fora da Universidade, fui Presidente da Associação Brasileira de Educação Médica, a ABEM, e da Sociedade Brasileira de Nefrologia. 

Dr. Sebastião: O concurso de professor titular foi tranqüilo, só neurologista, não tinha nenhum nefrologista na banca?

Prof. Adyr: Não foi. Disputei o concurso de professor titular de clínica médica com um candidato para a especialidade de reumatologia, mas acabamos passando com notas iguais. A banca tinha titulares de outras especialidades.

Dr. Sebastião: Quando o senhor aposentou-se da universidade?

Prof. Adyr: Eu era médico do Sérviço de Nefrologia do Hospital de Clínicas e professor titular do Departamento de Clínica Médica. Eu me aposentei como professor titular pouco antes de chegar aos 70 anos e dois anos depois como médico. Na ocasião, começava a mudar o aspecto político dentro do Hospital de Clínicas e eu achei que era a hora certa. Sou filho de fascista e sou fascista, tinha sido fotografado com bandeira dos Estados Unidos e tirado fotografia com o Kennedy (risos).

Muitas universidades pioraram por causa da política. A política dentro da universidade não era mais política acadêmica, ela fazia parte da política extra-universitária. Uma ocasião, enquanto diretor do Setor de Ciências da Saúde, fui entrevistado para ser candidato a reitor. Na ocasião, a política de esquerda era do PMDB e me disseram que eu certamente seria eleito, mas que o cargo já vinha com algumas indicações políticas. A política externa à universidade acabou com a meritocracia da universidade e hoje não é diferente.

Dr. Sebastião: Esta de fascista o senhor vai cortar depois ou não?

Prof. Adyr: Eu corto depois (risos). Meu pai era fascista. Ele trabalhava em uma companhia americana, a Standard Oil do Brasil, mais tarde chamada de ESSO. E como filho de italianos, ele era do eixo. A definição de fascista é “dono do corpo”. Como fascista e imperialista (risos), o ambiente dentro do hospital ficou muito difícil. É muito difícil trabalhar na medicina: medicina decente e medicina de trabalho, e na medicina acadêmica mais difícil ainda. Hoje não sei, mas foi muito difícil lidar com isso. Sair da medicina também foi um abalo enorme para mim. 

Dr. Sebastião: Como? Em que ponto?

Prof. Adyr:A Universidade era muito importante para mim. Eu saía e ia fazer palestra e curso Brasil afora. Naquele tempo, o Augusto Laffitte ficava lá agüentando e havia muito entusiasmo em todos os nós. Em 1979, eu tive um acidente de motocicleta e a minha mulher disse que se eu não começasse a trabalhar mais fora da Universidade poderíamos ter problemas. Mas, o pai dela era rico e essa foi a minha sorte (risos). Foi muito difícil sair da vida acadêmica, porque ficou um vazio. 

Dr. Sebastião: Essa não vai cortar não, né?

Prof. Adyr: Vai. Tem que cortar isso aí (risos). A minha mulher cuidava dos meus filhos. Ela chama-se Brasília, ela cuidava do dinheiro e eu cuidava da Universidade. Quando tive o acidente ela me alertou: se você não começar a trabalhar, para ganhar um pouco de dinheiro, você vai morrer aí, ainda mais agora sem a perna! 

Dr. Sebastião: O senhor já estava aposentado quando teve o acidente?

Prof. Adyr: Não, estava no auge da atividade. Tive o acidente quando terminei de preparar o meu discurso de posse de Diretor do Setor de Ciências da Saúde. Eu assumi já amputado. Fui ver a motocicleta de um amigo, sai para andar e um automóvel me atropelou. Perdi uma perna biológica. Mas hoje a minha perna eletrônica é maravilhosa e mais inteligente que a outra: ela tem dois motores, uma bateria recarregável, dois amortecedores e 10 sensores guiando tudo. Esta custa 50 mil dólares. O primeiro modelo, bem mais simples, custava 1200 dólares.

Dr. Sebastião: O senhor disse que ela anda sozinha, mas aonde ela vai o senhor vai atrás? (risos)

Prof. Adyr: Eu vou atrás. Não posso perder a prótese (risos). Com ela trabalho, viajo, ando de bicicleta de três rodas, faço tudo.

Prof. Adyr: Quando eu tive o meu acidente, o Dr. Scribner soube e ligava para minha casa muitas vezes. Certa vez me disse assim: vou mandar um amigo meu, que também foi acidentado, conversar com você. Eu respondi que não mandasse, pois eu estava numa fase difícil, meio depressiva. Lembrava que em Seattle havia uma comissão de avaliação comportamental, com 13 profissionais diferentes e inclusive um padre, para analisar os médicos que trabalhavam na diálise, mas não para modificar o comportamento dos médicos. Achavam que nós não podíamos ser solidários. Tinhamos de ser considerados dentro da norma, não normal, mas dentro da norma. Na ocasião, Dr. Scribner  me mandou conversar com o psiquiatra.

Mas um psiquiatra acabou vindo aqui e eu comecei a conversar com ele. Depois de algumas sessões, ele me disse: “Olhe doutor, eu vou embora. Você não vai melhorar comigo e eu posso piorar.” (risos).  

Dr. Istênio: Nada a ver.

Prof. Adyr: Em Seattle nós passamos a ter uma visão puramente médica e não comunitária. Quem é que decide entre um motorista de trator no transplante ou na hemodiálise ou um cientista importante? Qual é a preponderância? Certa vez, fui ao aeroporto de Seattle buscar um físico famoso que vinha de Londres em insuficiência renal crônica. Mas havia um lavrador americano que estava na sua vez de entrar na hemodiálise. Havia apenas uma vaga na hemodiálise. 

Dr. Istênio: Como resolveram isso?

Prof. Adyr: Colocamos os dois. Arranjamos outra vaga. O físico era um homem brilhantíssimo, um gênio. O outro indivíduo era um fazendeiro americano de Seattle. Não havia vaga por falta de financiamento. Várias empresas doavam recursos e uma destas deu verba para o cidadão braçal, enquanto o governo da Inglaterra doou dinheiro para manter o físico.O inglês ficou em diálise por 8 ou 10 meses conosco, até que um nefrologista inglês apareceu e treinou hemodiálise crônica durante 9 meses e o levou de volta ao retornar.

Dra. Cibele: Se não fosse a sua esposa, Dona Brasília, o senhor acha que não teria voltado ao Brasil?

Prof. Adair: Tenho certeza que não. A minha mulher é filha única e a minha sogra gostava muito de mim, porque fui o filho que ela não teve. Começou a sentir muita saudade de nós e tivemos que voltar. Nós não poderíamos levá-los e, provavelmente, eles não iriam ficar felizes.

Dr. Sebastião: O senhor casou quando?

Dra. Cibele: Há quantos anos?

Prof. Adyr: Foi em 1954, há 52 anos. O Rogério nasceu 1 ano depois.

Dr. Istênio: Nasceu antes do casamento?

Prof. Adyr: Não, antigamente poucas mulheres ficavam grávidas antes do casamento. 

Dra. Cibele: Normal

Prof. Adyr: As minhas três filhas não casaram grávidas porque fui eu quem escolhi os noivos (risos) e dizia para eles: olha se você fizer alguma safadeza com minha filha, depois ela vai fazer para você (risos). Você nunca mais vai ter confiança nela (risos). 

Dr. Sebastião: Quer que risca a sua idade? (risos)

Prof. Adyr: Não, tenho 78 anos e nós fizemos 52 anos de casados em família. Não sou muito de festa. 

Dr. Istênio: Fale um pouco dos seus pais e irmãos, vamos dar uma marcha-ré.

Prof. Adyr: Aí vem a história do meu pai. Depois do acidente fiz uma amputação da perna direita e estava meio deprimido. Um dia meu pai chegou e disse: “Deus te tirou o único pedaço que ele podia tirar. Você ponha essa prótese e vai para o consultório, porque o que eles querem é que você fique aqui, se martirizando.” Eu tinha 15 adversários naquela ocasião, todos na universidade. Hoje, uns oito já morreram (risos). Na época um aluno, que nós tínhamos reprovado há uns 6 anos, me telefonou perguntando sobre o meu acidente. Disse-lhe que tinha perdido um pedaço da perna e então ele falou: “Sabe doutor, eu queria que o senhor tivesse perdido as duas pernas e os dois braços. O senhor perdeu pouco”. Isso foi um grande estímulo para mim. O meu pai disse: “Olhe, coloque a prótese e vai trabalhar”. E eu fui. Comecei a trabalhar no dia seguinte (risos). A primeira cliente que chegou no consultório me deu um bilhetinho que dizia assim: “Deus dá a carga específica para cada um”. Aí eu passei a trabalhar e nunca mais parei. Deu para ganhar um dinheirinho.

Dr. Istênio: Mas quantos anos o senhor tinha quando fez a amputação?

Prof. Adyr: Eu tinha 52. 

Dr. Sebastião: E, com o tempo, a perna acabou virando um charme?

Prof. Adyr: Acabou. Eu fui filmado recentemente porque eu tenho uma prótese alemã Otto Bock. Essa prótese é a melhor do mundo, toda eletrônica, tem garantia de cinco anos. Um dia eu estava no consultório e a prótese velha apagou, justamente 5 anos e 2 meses depois (risos). Aí eu troquei por essa aqui. No momento, eu sou o homem mais velho no Brasil que anda com essa prótese e que faz todas as barbaridades. 

Dra. Cibele: Vai entrar no Guinnes Book?

Prof. Adyr: Acho que não! (risos) 

Dr. Istênio: O senhor tem mais dois irmãos médicos? O pai foi uma figura forte assim na influência intelectual dos filhos?

Prof. Adyr: Não foi tanto, meu pai não era um homem muito rígido, apesar de ser italiano, fascista, ele era um homem quieto, bom, muito trabalhador e que tinha muito prestígio aqui em Curitiba. Ele trabalhava em uma companhia americana e conhecia todo mundo. Nos deu essa segurança, mas não tinha posses. Fui o primeiro Mulinari médico dessa leva de imigrantes que veio para cá. Depois, veio meu irmão Acir que tornou-se patologista e morreu recentemente de infarto do miocárdio. Depois veio o Augusto, que é pediatra. Mais tarde vieram o Rogério e o Leonardo e a Fabiane, que também casou com médico. Dois primos e um sobrinho, filho do Acir, também se tornaram médicos. Uma de minhas filhas é casada com médico e mora em San Francisco e a outra é casada com filho de médico. Meus três genros são filhos de médicos meus amigos. 

Dr. Sebastião: O professor veio de onde da Itália?

Prof. Adyr: A família veio do região do Veneto.

Dr. Sebastião: Seu pai já veio de lá?

Prof. Adyr: Não. Meu avô veio com seus irmãos. Chamava-se “Joanim”.

Dr. Sebastião: Veio direto para o sul?

Prof. Adyr: Não. Inicialmente foi a Buenos Aires na Argentina. Logo depois, todos vieram para o Brasil. Nós não sabemos muito como é que foi essa história. Pouco antes de meu pai falecer, fomos numa festa da igreja da Colônia Imperial de Nova Tirol, onde a imigração se estabeleceu. Estacionei o carro na frente de uma casa e quando eu voltei conversei um cidadão que me contou ter comprado a casa de meu avô Joanim. Foi uma emoção grande!

Dra. Cibele: E a sua mãe?

Prof. Adyr: Minha mãe chamava-se Maria da Luz, filha de descendentes de portugueses, mas era uma brasileira brava, uma fera. A sua irmã da Maria Augusta era mãe do Augusto Laffitte. O meu avô materno era do Porto e também era muito bravo.

Dra. Cibele: O senhor puxou por ela?

Prof. Adyr: Eu? Não. (risos). Mas, nossa filha mais nova, Fabiane, é exatamente igual à minha mãe.Ela é médica e professora de Dermatologia  na Universidade.

Dr. Sebastião: Seu avô morava em Curitiba?

Prof. Adyr: Morava e o convivi bastante com ele. Mais tarde, mudou-se para uma fazenda próxima de Curitiba e lá brincávamos muito. Foi uma das primeiras a ter luz elétrica captada de um gerador em um riozinho. Meu tio Eduardo, pai do Augusto Laffitte, fez ali uma barragem que acumulava água e movimentava uma turbina. A vazão do rio dava para 3 horas de luz. Na casa havia apenas 3 ou 4 lâmpadas. Meu avô e algumas visitas ouviam a Hora do Brasil, depois ouvíamos um pouco de música. Mais tarde, ouvíamos o Repórter Esso e todos iam dormir.

Dr. Istênio: Todo mundo?

Prof. Adyr: Sim, todos. Meu avô fechava a comporta da barragem e isso apagava a luz.

Dr. Istênio: Professor, eu queria então resgatar esse circuito familiar e entrar um pouco na Nefrologia que o senhor introduziu aqui em Curitiba. Fale um pouco disso, como é que foi criado, a importância que nós todos reconhecemos.

Prof. Adyr: Algumas coisas foram importantes. Por exemplo, quando cheguei não se fazia estudo histopatológico de biopsia renal. Quando fiz a primeira biópsia percutânea, foi algo inovador. Depois vieram a hemodiálise e a clínica nefrológica. Então inauguramos um andar no Hospital de Clínicas, que nós ganhamos da Endocrinologia, onde construímos um laboratório e colocamos o fotômetro de chama e um gasômetro – peagâmetro que ganhei do laboratório Ciba, daqueles primeiros com gabinete. Tínhamos também os kits que carregávamos para fazer sódio e potássio à beira do leito. Também fizemos um laboratório de anatomia patológica. O patologista era o Dr. Afonso Coelho, que se tornou professor titular com uma tese sobre Nefropatia. Fizemos o primeiro centro de cuidado intensivo. Eu tive duas pessoas importantes na comunidade que ajudaram muito na minha vida universitária: um governador de estado e um senador da república.

Dr. Istênio: Qual governador?

Prof. Adyr: Ah, não posso dizer. Mas era de muito trabalho.

Dr. Istênio: Era dos anos de chumbo?

Prof. Adyr: Não, ele era um bom político. O segundo foi um senador, portador de uma doença renal. Ficamos muito amigos, ele acabou sendo meu advogado. Era ele era um político de grande prestígio e habilidade.

Dr. Istênio: O senhor instrumentalizou essas conexões para que?

Prof. Adyr: Um dia, meu amigo senador me trouxe um livro que contava o caso do resfriado de um governador que se tornou uma pneumonia gravíssima, e através dessa pneumonia, o médico que o atendia tornou-se uma pessoa muito importante. No meu caso, a esposa do governador do Paraná foi operada fora de Curitiba, desenvolveu insuficiência renal aguda e veio a ser atendida em Curitiba. Tratei dela e não cobrei nada. Ela era de uma das famílias mais ricas do norte do Paraná e ele, governador. Ele custeou o Centro de Nefrologia da Universidade. O senador ajudou com todo o instrumental e nós fundamos o Centro de Pesquisas Nefrológicas. Até o Ministro da Educação veio para a inauguração.

Dr. Istênio: Era o Ney Braga?

Prof. Adyr: Não, o Ney Braga também era meu amicíssimo. Na época, o senador e o Ney Braga eram meus amigos e eu era médico dos dois. Eles vinham conversar na minha casa. O Ministro da Educação era Jarbas Passarinho.

Dr. Sebastião: E o Ney Braga ajudou?.

Prof. Adyr:. O Ney Braga morava aqui neste bairro. Ele também foi importante para o progresso Nefrologia paranaense.

Dra. Cibele: Quantas pessoas o senhor já formou?

Prof. Adyr: Não sei, perdi a conta, mas tem gente por todo o Brasil e alguns pela América do Sul.

Dr. Istênio: Esse Centro aí que o senhor fundou e que atraiu tantas possibilidades de estudo, de pesquisa, atraiu muita gente da universidade?

Prof. Adyr: Atraiu, mas criou também muita dificuldade e ansiedade. O Augusto participou disso. Estou numa idade que cheguei à conclusão de que ninguém faz nada sozinho. Também não tem coisa difícil nesse mundo, só é difícil aquilo que ainda não se sabe. Estes dias, eu estava lendo algo que me tocou, dito por um filósofo francês, chamado Jean-Toussaint Desanti: “Os filósofos, os cientistas, os médicos e os civis não imaginam como um homem pode surpreender o próximo, porque ele toma posições e decisões de aprendizado que nenhum daqueles letrados imagina, e ele vence”. A coisa é assim. Se você não enxergar que um profissional ou um professor pode realmente ser líder, isto fará toda a diferença num concurso.

Dr. Sebastião: Então como é que uma pessoa com “sangue forte” convive numa universidade aonde as decisões, muitas vezes, vão mais pela política do que pela competência?

Prof. Adyr: Não, eu não concordo. Eu acho que quem tem força, tem força e acabou-se. Eu fui forte e respondi a algumas situações difíceis. Um dos diretores tentou me colocar para fora, porque achava que eu recebia muita verba, mas eu entregava tudo direitinho na Universidade. O senador estava ali junto e cuidava para que toda a verba fosse investida lá. Por outro lado, eu acho que o mestre nas relações entre universidade e comunidade foi o Oswaldo. Ele foi o que melhor conduziu os rumos dentro da comunidade.  Nós nunca brigamos uma briga que não valia a pena.

Dr. Sebastião: Mas brigavam com o senhor…

Prof. Adyr: Não. Não brigavam comigo, porque eu era meio boca dura. Um diretor me disse uma vez assim num dos processos: “O senhor está cuspindo pra cima!” Respondi: “Tudo em cima de vocês aí!” (risos). Do meu lado estava o meu chefe, que Dr. Arnaldo Moura, cardiologista e professor de propedêutica. Nesta ocasião, Dr. Heinz Rücker, professor de ortopedia e que estava do meu lado, disse: Ótimo, vocês tirem o Adyr Mulinari da universidade. Ele vai para fora e vocês vão ver como ele vai ficar feliz. Vocês é que vão acabar com vergonha”. Eu fiquei na universidade, mas suspenderam o meu ordenado.

Dr. Sebastião: Quem tinha o poder?

Prof. Adyr: Era a Congregação da Faculdade. O Arnaldo Moura me perguntou o que eu queria fazer. Eu disse não queria brigar com a minha universidade porque aquilo era a minha vida. O Moura, que chamávamos de “medigado” pois sabia muito de Medicina e Advocacia, e eu preparamos documento dizendo que eu não concordava com aquilo e mandamos para o Ministério da Educação pelas mãos do senador. Afinal era o meu ordenado. Muitos anos depois eu estava na praia nas férias e o Rogério me ligou e disse que havia um dinheirão depositado na minha conta corrente.

Dr. Sebastião: Era o retroativo?

Prof. Adyr: Era sim. Sabe o que eu fiz? Comprei uma Mercedes Benz S500 que está aí no jardim (risos). Depois do meu acidente, eu precisava ter alguma coisa assim.

Dra. Cibele: O senhor disse que era grosseiro, mal educado. Considera isso uma qualidade ou defeito?

Prof. Adyr: Grosseria é péssimo. Mas algumas situações, como aquela grosseria do diretor dizer que eu estava “cuspindo para cima” estimulam uma resposta grosseira. Afinal, ele era um professor titular. Anos mais tarde, quando eu fui diretor, ele apareceu na minha sala e conversamos como se nada tivesse ocorrido.Eu acho que hoje o poder esta no comportamento da pessoa, na calma e na tranqüilidade ao tomar decisões. Aquela era uma outra época.

Dr. Sebastião: O senhor falou que escolheu, eu estava achando que era uma coisa assim meio literal.

Prof. Adyr: Não foi bem assim. Morávamos nesta casa, mas os tempos eram outros pois não havia tanto banditismo.

Dr. Sebastião: Como era essa casa?

Prof. Adyr: Não tinha grade, não tinha muro. A calçada da rua e a frente eram continuas. Os moços passavam, encostavam o carro e paravam para conversar. Minhas filhas diziam que iam sair. Mas, eu dizia a eles que não podiam ficar com a minha filha pela rua.

Dr. Sebastião: E assim foi até o senhor dar o ok?

Prof. Adyr: Assim foi.

Dr. Sebastião: Alguma contrariou?

Prof. Adyr: Às vezes ficanvam contrariadas, mas eu convidava o moço para ficar nessa sala, eu sentava aqui e ele sentava ali e ficávamos conversando. A sabatina não era só minha. Os irmãos Rogério e o Leonardo também davam a sua contribuição, a coisa era brava.

Dr. Sebastião: Os irmãos.

Dr. Istênio: Alguém conquistou o senhor? Virou o jogo? Tem algum deles com que o senhor inicialmente não simpatizou?

Prof. Adyr: Claro.

Dr. Istênio: Inicialmente, ele virou o jogo?

Prof. Adyr: Não, acabou-se. Tinha um sujeito muito rico que vinha trazer coisas da fazenda aqui para minha filha. Uma noite eu estava estudando e  disse: “Você me vem de novo com essa caminhonete e eu te dou um tiro (risos).” Não, mas muitos se assustaram. Os que foram embora não mereciam minhas filhas.

Dr. Sebastião: Professor, agora a gente quer um pouquinho mais. Como é o seu dia-a-dia? O que o senhor faz? A que horas acorda? O que faz durante o dia?

Prof. Adyr:  Hoje, eu acordo muito cedo e vou a tarde para o consultório.

Dr. Sebastião: Fora da universidade…

Prof. Adyr: Ao longo dos anos fui deixando as hemodiálises,  os transplantes e os internamentos para meus assistentes, porque eu tinha uma clínica grande na época.  A boa medicina na época era toda particular. Eu tenho uns 30 e tantos mil.

Dr. Sebastião: Só um minutinho. Trinta e tantos mil o quê?

Prof. Adyr: Fichas de pacientes.

Dr. Sebastião: Pacientes?

Prof. Adyr: Sim, pacientes. Obviamente, não quer dizer que o cidadão seja meu cliente até hoje. Desde o começo eu aprendi com oDr. Átila a guardar tudo sobre o cliente. Apesar disto, certa vez eu tive um processo no Conselho Regional de Medicina.

Dr. Sebastião: Sobre o que?

Prof. Adyr: A mãe de uma paciente me telefonou e disse que eu havia atendido sua filha quando pequena no Hospital Nossa Senhora das Graças, onde tinha o meu serviço privado de nefrologia. Eu lhe contei que o arquivo deveria estar no Hospital. A moça agora estava grávida e o obstetra queria saber o que ela teve. Descobrimos que o Hospital tinha jogado fora os arquivos. Ela me telefonou e eu disse que não me lembrava mais da sua filha e que não podia me lembrar de detalhes de tantos milhares de pessoas. Contei que a ficha havia sumido.

Dra. Cibele: Extraviou?

Prof. Adyr: Desapareceu do arquivo e da memória, e ela me mandou um processo no Conselho Regional de Medicina porque eu não tinha conservado o arquivo. O presidente do Conselho Regional de Medicina era um colega do Nossa Senhora das Graças e me orientou a fazer um relato, pois o arquivo era de mais de 20 anos antes.  Por outro lado, me lembro de um cidadão que tinha uma úlcera na pele e já tinha consultado oito médicos, feito um monte de exames, perdido muito tempo e não adiantado nada. Examinei, diagnostiquei e prescrevi. Ele reclamou que chegou aqui e eu lhe disse o que era em 2 minutos. (risos). Me disse: ”Como é que eu vou pagar pela consulta ?“

Dr. Sebastião: Mas e aí, como é que é o dia-a-dia? O senhor levanta a que horas, por exemplo?

Prof. Adyr: Eu levanto 5:30 – 6:00 horas e vou para o computador.

Dr. Sebastião: Fazer o que?

Prof. Adyr: Leio notícias de todas as agências na internet, até as estrangeiras do Times e da Reuters. Fico ali mais ou menos uns 20 ou 30 minutos. Depois faço umas consultas sobre assuntos médicos na internet. Não assino mais revistas médicas, porque tem tudo na Internet. Só não tem o que é muito específico, mas tem o que é genérico. Ali pelas 7:00 horas, a Brasília levanta, nós descemos e tomamos café. Ai eu parto para o meu hobby. O hobby faz parte do meu critério do sucesso das pessoas. O que é sucesso? Sucesso muita gente diz que depende de sorte. Não acredito. Para ter sucesso é necessário e importante ter uma boa genética. Segundo, é ser muito bem educado. Depois, ter muito esforço, intelectual e físico. Alguns têm mais intelectual, outros mais físico, e o bom é até uma mistura dos dois. Aí é que  vem a sorte. Só ai é se que começa a ter retorno, de prestígio, de respeito e financeiro. Sucesso é ser leal e ter amizades. Amigos são poucos, companheiros são alguns, colegas são muitos. Sucesso é ter um lugar para morar, um lugar para trabalhar, ter conforto e ter dinheiro para sustentar os seus prazeres e o seu hobby. Eu tenho um hobby.

Dra. Cibele: Qual é?

Prof. Adyr: É recuperar automóvel clássicos ou “antigos”.

Dr. Sebastião: Ah, é?

Dra. Cibele: Quantos o senhor tem?

Prof. Adyr: Acho que tenho poucos. São 4 da Ford e 3 da Chrysler.  Eu tenho um Ford 1929, modelo A – Tudor, tipo limusine ou cristaleira, que é raríssimo e um Ford 1930 modelo A Phaeton, conversível 4 portas. O meu filho mais velho me pediu um carro. Comprei um Fordinho 1930 para ele (risos). Disse: “Está aí o seu automóvel, pode começar a mexer nele”. Ele andava com o carro na chácara, guiava ali com 16-17 anos de idade. Apelidamos o carro de Cappone.

Dr. Sebastião: Cappone?

Prof. Adyr: É, é do tipo do Al Cappone. Depois, comprei um Ford 1948 Cupê, um sonho da minha juventude, e mais tarde um Ford Landau 1983 blindado (comprado de cliente que foi vítima de uma tentativa de assassinato no início dos anos 90).  Depois tenho 3 da Chrysler. Tenho um Dodge Kingsway Cupê, 1952, um DeSoto quatro portas também de 1952  e Chrysler Windsor, 1948, que é único no Brasil. Tenho ainda um triciclo Inoccenti-Lambretta do início dos anos 60. Mas isso não é nada, comparado com os colecionadores.

Dra. Cibele: Qual o predileto?

Prof. Adyr: Gosto de todos, mas a limusine 1929 é especial.

Dr. Sebastião: Mas o senhor anda com ela na cidade?

Prof. Adyr: Ando. Mas o gostoso é viajar com eles.

Dr. Sebastião: Com qualquer um deles?

Prof. Adyr: Quase todos. Porque alguns não estão bem prontos ainda. A gente leva de 3 a 4 anos para completar, e tem que ir conversar com vários mecânicos especializados, mandar buscar algumas coisas nos Estados Unidos, mas tem que ser hobby. Se o cidadão envelhecer sem um hobby, mesmo que ele tenha recursos, vai acabar no banco de praça, na bebida alcoólica, na depressão. Eu não tenho depressão, mas fico triste quando o a coisa não fica pronta ali na hora, não fica bom, aí eu fico meio deprimido (risos).

Dr. Istênio: Se um neto, um filho, perguntasse, tivessem duas opções, fama ou fortuna? Bem que depois construísse, a partir de uma a outra, mas qual seria uma opção mais sensata?

Prof. Adyr: Há 3 ou 4 anos participei de uma reunião na Universidade da Califórnia em São Francisco, onde um dos meus genros trabalha como professor de cirurgia. Eu era um dos professores estrangeiros mais maduros ou velhos. Pediram para que nomeássemos 10 aspectos mais importantes na vida. A maioria identificou o respeito como mais importante. Porque junto com o respeito, vêm outras coisas importantes. Depois naturalmente vieram fama e dinheiro. Muito poucos escolheram condições físicas.

Dr. Sebastião: Professor, aí o senhor levanta, vai para o computador …

Prof. Adyr: Depois saio e vou, eventualmente, no Hospital Nossa Senhora das Graças , se tiver algum cliente especial lá.

Dr. Sebastião: O senhor vai ao hospital? Isso é diário?

Prof. Adyr: Isso não é diário, isso hoje é raro. Às vezes, eu mando o doente para o Rogério e o doente quer que eu dê uma olhadinha. Vou e faço uma visita de cortesia, dou um agrado, uma paparicada, pois a maioria dos doentes hoje são conveniados dos seguros e eu ainda sou um médico particular.

Dr. Istênio: O senhor vai dirigindo?

Prof. Adyr: Sim, vou dirigindo. Tem uma adaptação nos meus carro, com acelerador do lado esquerdo e caixa automática ou com caixa convencional com embreagem computadorizada. Nas 2ª, 4ª e 6ª feiras vou para o consultório à tarde. Na 3ª e 5ª feira, os colegas do Veteran Car Club se reunem, eles também são todos veteranos. Lá conversamos e contamos histórias. Eu tinha aprendido com Dr. Scribner a não freqüentar sociedade só de médicos, porque o teu conhecimento geral diminui muito. Os veteranos são juizes, advogados, engenheiros, técnicos, de todas as classes, mais sofisticados ou menos. A gente sempre aprende algo novo.

Dr. Sebastião: E o senhor volta para casa?

Prof. Adyr: Volto pra casa no final da tarde e fico com a minha boneca, a minha mulher. Ficamos ali juntos. Poucas vezes saio. Tenho alguns amigos e saímos para jantar fora. A minha mulher vai fazer ginástica no clube pela manhã e durante o dia ela sai. À noite ficamos em casa, os filhos vêm muito, os netos vem quase todos os dias na nossa casa, e eu coloquei uma casa de Tarzan no jardim para os menores brincarem. Eu tenho um salão onde estaciono os automóveis na garagem do fundo da casa, e tenho uma oficina com todo o ferramental para recuperar e reparar as peças mais delicadas dos carros. Invisto tanto tempo no meu hobby, que só recentemente um de meus netos descobriu que também sou médico. Visitei minha filha que mora em San Francisco e participei de uma sessão na escola de meus netos onde os avós descreveram suas profissões. Ao chegarmos em casa, o meu neto falou: “Me diga uma coisa: então você é médico que nem meu pai, pensei que você fosse um consertador de carros!” Ele lembrava dos tempos quando moravam em Curitiba e ele passava as manhãs na minha casa. Me via como mecânico, sempre na oficina. Ele não me via de roupa formal ou de avental, uma barbaridade…

Dr. Sebastião: Professor, eu queria algumas opiniões suas a respeito de política. O que acha do Lula?

Dra. Cibele: Pode falar a verdade

Prof. Adyr: Veja bem, eu saí da Universidade quando a esquerda tomou conta. Foi devagarinho, por conveniência. Sou da época da Ditadura, foi nomeado até Diretor, pelo General Figueiredo. Naquele tempo era o Presidente da República que escolhia dentro de uma lista tríplice. O PT foi tomando conta, brigavam entre si e resolvi sair por causa disso, certo? O que eu penso do Lula? Eu penso mal por que demonstrou ser contra a educação e a cultura, haja visto que o pessoal das relações exteriores não precisa mais sequer falar uma língua estrangeira. Obviamente, nós entendemos que se for para falar javanês vai ficar difícil, mas inglês, francês e espanhol nem tanto. A nossa segunda língua é o inglês e parece que somos imperialistas, não é? Acho que ele é totalmente culpado pelo que aconteceu no governo recente. Essa história de dizer que nada sabia do Presidente do Partido é difícil de aceitar. Isso para o meu conceito é uma falta de qualidade. Mas não diria que ele é pior ou melhor do que os outros presidentes. Se nós formos considerar a atuação dentro da vida, vamos observar que algumas vezes estamos melhores, mas outras vezes somos surpreendidos por outras pessoas. Quando alguns amigos disseram que o Lula ia ganhar, achei ótimo. Eu acho que tinha que ganhar mesmo, precisávamos experimentá-lo. Mas, não podemos permitir que a insegurança perdure. Eu tenho que trabalhar todos os dias. Se o cidadão vier aqui na minha casa e no meu terreno armar uma barraca, eu dou um corridão nele (risos), porque é isso que você deve fazer. Eu defendo aquilo que eu conquistei. Meu pai, italiano filho de imigrante, e minha mãe trabalharam bastante. Nós tínhamos pouco dinheiro e eu comecei a minha vida de trabalho aos 13 anos vendendo verdura nos botequins colados na minha casa na rua. Meu pai tinha uma horta e nós íamos vender, levava um carrinho de roda ali e ia vender.

Dr. Sebastião: Então nessa eleição que vem aí, o senhor pode adiantar, pode votar abertamente?

Prof. Adyr: Eu vou votar contra o Lula (risos). Ontem eu estava no consultório com um empresário importante e ele me contava as suas dificuldades com o Governo Lula e que li o livro do FHC.

Dr. Istênio: Bom?

Prof. Adyr: Ele disse que o Fernando Henrique fez coisas horríveis e que na sua cidade ele tinha uma rejeição enorme. Esse é um homem de 50 anos, um homem rico e empresário de sucesso, mas eu senti a agressividade dele contra o Lula. Eu acho que nós experimentamos e devíamos ter experimentado antes, porque talvez ele não tivesse tanto problema.

Dr. Sebastião: Sociedade Brasileira de Nefrologia, qual a diferença entre a época que o senhor foi Presidente e hoje?

Prof. Adyr: Eu acho que antes a Sociedade era muito acadêmica, porque a maioria das pessoas mais fortes eram das Universidades. Havia um grupo de 10 homens que eram os pioneiros e eu dentre eles. Por sorte fizeram mais uns 20, da geração do Augusto, e depois outros tantos, e depois isto passou a ser uma prática médica. A gente brigava muito entre a gente e também com os cardiologistas para dizer que nós tratávamos melhor hipertensão arterial,  e os cardiologistas diziam que eles tratavam melhor.  Era uma boa briga.

Dra. Cibele: Continua?

Prof. Adyr: Continua, claro, e isso é ótimo. Eu acho que hoje a Sociedade como nicho da academia diminuiu muito, porque existe uma coisa que se chama uréiabras. A uréiabras é um problema. O pessoal da hipertensão saiu, as nefrites perderam espaço, a fisiologia perdeu interesse.

Dr. Sebastião: Como criou problema?

Prof. Adyr: A uréiabras é movida pela indústria das as máquinas e os comerciantes do ramoda diálise e da hemodiálise, aquilo que o Oswaldo dizia: “O Adyr fundou, mas tem um monte de gente que só ganha dinheiro” . Eu acho que hoje existe diálise muito melhor do que antes, doentes vivendo muito mais e melhor, e muito mais transplante. Na época havia uma agressividade acadêmica, contida até certo ponto entre o Emil, que fazia mais transplante e menos diálise, e nós, que fazíamos mais diálise e menos transplante. Era uma agressividade contida, às vezes não tão contida! (risos).

Dra. Cibele: Imagino.

Dr. Istênio: Professor, mas qual é o espaço de sobrevivência hoje do nefrologista sem a coragem da diálise?

Prof. Adyr: Ficou difícil ou não existe. Os pediatras tratam as glomerulonefrites agudas, os imunologistas clínicos cuidam de parte das nefropatias, das doenças de pequeno vaso e das colagenoses, os ecografistas fazem as biopsias renais, os intensivistas fazem diálise aguda e cuidam do equilíbrio hidro-elétrolítico, os patologistas é que entendem a histopatologia renal e os cirurgiões cuidam do transplante. Antigamente, os nefrologistas dominavam tudo, pois tinham a formação clínica mais abrangente.

Dr. Sebastião: Professor, quantos filhos e quantos netos?

Prof. Adyr: Eu tenho 5 filhos: 2 homens e 3 meninas, e 9 netos: 6 meninos e 3 meninas.

Dr. Sebastião: Bisneto já?

Prof. Adyr: Não. Eu acho que não vou chegar lá, porque todos eles são jovens. O mais velho do Rogério vai fazer vestibular. Nós tínhamos pensado que ele continuaria na Medicina, mas felizmente ele vai fazer Direito, não vai acabar se angustiando na Medicina. A neta mais moça tem 3 anos e é uma loirinha que chama-se Vitória. Minhas filhas demoraram para ter filhos, uma 8 anos, outra 10 anos e terceira esta casada há 10 anos e ainda não decidiu.

Dr. Sebastião: Professor, e a sua saúde como está?

Prof. Adyr: Saúde boa, eu já enterrei 8 daqueles inimigos (risos). Eu ando muito bem e faço tudo.  Há uns cinco anos recebi quatro pontes nas coronárias no Albert Einstein, pelo Sergio de Oliveira.

Dr. Sebastião: Então, no geral, está bem?

Prof. Adyr: Eu sou hipertenso, mas a cabeça está boa ainda. Faço exercícios de raciocínio para idoso no computador, por uns 15 a 20 minutos. Tem que ter agilidade para poder mexer com a minha cabeça. Mas estou tranqüilo. Eu acho que isso é uma fase boa, a velhice tem uma vantagem, não é? Você, eu não quero mais pedestal.

Dr. Sebastião: Nós já estamos terminando e eu queria que o Dr. Laffitte falasse um pouco do professor. Como ele lê o professor, o que que significa esses anos todos de convívio. O que acha do professor Adyr, qual o seu pensamento a respeito dele? Não vale ser primo agora.

Dr. Lafite: Eu vejo o Adyr como meu amigo, meu irmão, um empreendedor. Nós devemos muito a ele no nosso meio, porque ele teve a coragem de trazer para nossa cidade uma série de inovações, novas idéias e isso germinou. Algumas germinaram e outras, em razão das dificuldades do ambiente, não conseguiram atingir o objetivo. Eu lhe digo isso porque eu fui parte disso tudo. E estou muito satisfeito de participar do atual Congresso Brasileiro de Hipertensão Arterial. Não só pelo fato do Rogério ter organizado, mas eu estou achando um Congresso maravilhoso pela escolha dos temas e a gente tem aprendido muito. Muita coisa nova, mas a minha maior satisfação é porque eu acho que muito daquilo que está sendo falado alí, nós já discutiamos no fim da década de 60 e no início da década de 70. Naturalmente, nós não tínhamos os recursos que existem hoje de terapêutica e de investigação, mas a idéia já estava lá. Uma idéia que estava correta, mas a germinação foi lenta, o progresso foi lento, mas está acontecendo. O que nós vemos hoje eu tive a oportunidade e o prazer de presenciar e vivenciar desde o começo. Acho que é isso que eu posso lhe dizer, esse é o essencial.

Dr. Sebastião: Professor, por que o senhor não está no Congresso?. Já sabe tudo de hipertensão?

Prof. Adyr: O Augusto é muito modesto. Essa é a característica dele. Realmente, o Augusto sempre foi e é uma fortaleza.

Dr. Sebastião: E por que o senhor não está no Congresso?

Prof. Adyr: Porque eu não estou com auxílio-presidente, porque o meu filho é presidente.

Dr. Sebastião: Ué, por quê?

Prof. Adyr: Eu achei que não devia estar. Deixa ele, está na vez dele. Ele é muito melhor do que eu. Alguns anos atrás eu passava visita nas Enfermarias da Nefrologia no HC e discutíamos ali um doente. Na época, eu passava visita com todos eles nos dias de semana, mas ele sempre sabia mais que eu.

Dra. Cibele: Mas quem sabe mais, o senhor ou o Rogério?

Prof. Adyr: O Rogério, claro. Eu sempre dizia ninguém sabe mais. Não existe quem saiba mais. Eu acho que alguns sabem muito de muitas coisas e outros sabem pouco de pouca coisa. Mas esses que sabem de pouca coisa, sabem muito na profundidade.

Dra. Cibele: O senhor é o que sabe muito na superfície ou pouco na profundidade?

Prof. Adyr: Bom, eu nunca tive paciência de ficar no mesmo lugar muito tempo. Isso é uma coisa que eu tenho explicado para os que me seguem. Se você ficar fazendo sempre a mesma coisa por mais que 5 anos, há algo errado. Existe o tempo certo, mas depois vá adiante. Vá estudar uma outra coisa porque senão você vai aprender muito sobre pouco e você vai ter menos utilidade para a comunidade.

Dr. Sebastião: Professor com a experiência da idade, o senhor o senhor faria hoje alguma coisa diferente?

Prof. Adyr: Não, nada. Mas gostaria de ter gasto menos tempo aprendido. Um exemplo grosseiríssimo: quando preparei a minha tese de professor titular, usava-se uma máquina de escrever e quando errava uma frase, tinha que datilografar a página toda. Eu e a minha datilografa ficávamos noites e noites até 2 ou 3 horas da madrugada aqui em casa, batendo e rebatendo tudo.

Outra coisa foi a criatividade. Gastamos muito tempo e criatividade reproduzindo com dificuldade coisas que já existiam.  Eu acho que faltou na ocasião criatividade e criatividade é pesquisa, é iniciativa.

Dr. Sebastião: Professor, e o plano para o futuro?

Prof. Adyr: Plano para futuro é ficar velho, devagarinho. Sabe, a única coisa que eu não posso perder é a minha mulher.

Dr. Sebastião: Por que o senhor fala isso com tanta intensidade?

Prof. Adyr: É a minha mulher.

Dra. Cibele: É tudo, né?

Dr. Sebastião: O senhor se emociona…

Prof. Adyr: Eu adoro ela.

Dr. Istênio. Essa vai ter que sair.

Prof. Adyr: Eu estou lá em cima na biblioteca, ali mexendo no computador, brincando de velho. O computador é brinquedo de velho.

Dr. Istênio: Tem velho que não é, tem esse brinquedo, às vezes tem coisa até mais quente que isso (risos). Viagra então é uma maravilha.

Dr. Sebastião: É um progresso enorme, né?

Prof. Adyr: E ela me diz assim: vou no mercado, quanto tempo você vai levar. Ela não vem na hora, eu fico louco, telefono para ela e pergunto se está tudo bem?

Dra. Cibele: Ela tem celular?

Prof. Adyr: Ela tem celular, mas desliga (risos), e às vezes deixa em casa. Eu ligo para o celular dela: estou aqui na biblioteca e bate lá na sala de visita! Outro dia, ela saiu de manhã e eu cheguei mais cedo. Eu sei que meio-dia e meia no máximo ela está em casa para almoçarmos. Esperei até à 1:00 da tarde e telefonei para meus filhos preocupado que algo tivesse acontecido. Rogério me pediu para esperar mais uns 15-20 minutos e ela apareceu. Eu não agüentava mais e briguei com ela (risos).

Dra. Cibele: Tem ciúmes dela?

Prof. Adyr: Já tive ciúmes, hoje não tenho mais não. Já tive muito ciúme, eu viajava muito (risos). Outro dia me contaram uma história muito curiosa. Uma senhora que sempre dizia para o marido que voltaria às 22:00, um dia ela chegou às 7 horas da manhã. O marido reclamou: 7 horas da manhã e você aqui? Ela respondeu: Fui dormir na casa de uma amiga minha. O marido telefonou para as 10 melhores amigas dela e perguntou se a esposa dormiu na casa de alguma delas? As 10 disseram que não e que nem estivera lá. Passado uma semana, ele revidou e chegou em casa às 7 horas da manhã e a mulher reclamou: Você vive aí de farra até essa hora, um homem de sua idade! Ele justificou que dormira na casa de um amigo. A esposa pegou a lista dos 10 melhores amigos e telefonou para cada um: 7 responderam que ele havia posado lá e 3 disseram que ele ainda estava dormindo! (risos).

Dr. Sebastião: Mas o Istênio conta uma piada que, depois que faz amor, 10% dos homens dormem e viram para a esquerda, ou 10% depois dormem virados para a direita e 80% voltam para casa (risos).

Prof. Adyr:  Papai com a filhinha ali, o padre na frente do trenzinho que vinha da colônia e a filhinha de 16 anos vomitando, vomitando. O padre perguntou para o pai: foi comida? Foi, mas vai casar (risos). Eu contei essa para uma cliente hipertensa de muitos anos e de origem alemã que veio no meu consultório. Ela me pediu para contar uma história. História de consultório médico: Tinham 3 senhoras no consultório e muito próximas, começaram a conversar. Uma delas perguntou: Como é a tua vida? A minha vida é muito confortável, meu esposo é um ótimo homem, internacional, vive na Alemanha. Ele viaja muito e eu não gosto, mas nós temos um primo dele que é muito amigo nosso, e me leva para a praia, para o spa, para ópera, para cinema. Meu marido quando volta de viagem trás um bom presente para ele, pela consideração que nós temos por ele. A segunda disse: Meu marido é dono de uma empresa de caminhões e ele viaja com os caminhões para ver a qualidade e tal. Ele viaja muito, fica muito fora, mas eu de caminhão não viajo! Mas, um padrinho do nosso casamento que era amigo do meu marido antes dele casar me leva passear de automóvel. Nós vamos passar 10-15 dias fora, enquanto meu marido está viajando. Meu marido gosta muito dele e ele realmente é muito bom para mim. A terceira senhora estava quietinha até que lhe perguntaram: E você, não vai contar nada? Ela respondeu: Também sou prostituta! (risos).

Dr. Sebastião: Professor, então, Cibele, você gostaria de falar alguma coisa pra encerrar, perguntar, fazer algum comentário?

Dra. Cibele: Qual é a sensação depois de 52 anos de casado. Não sei quantos anos de profissão. Como o senhor resume esta sua vida? Como é que o Adyr vê o Adyr? É uma pergunta que eu queria fazer desde o começo.

Prof. Adyr: Tremendamente feliz, muito feliz. Me considero tremendamente realizado após 54 anos de profissão, e acho que eu não preciso rememorar. Família é um aspecto muito importante. No final da vida, uma família é muito importante. Dá um trabalho enorme, não é? Mas, da família, 80% é a mulher.

Dr. Istênio: Professor, esta é uma pergunta meio mórbida, mas o senhor é um homem de coragem. Como o senhor gostaria de morrer?

Prof. Adyr: Eu acho que todas as pessoas que vão envelhecendo, ainda mais os médicos, ficam pensando do que é que vão morrer. Eu vou morrer do coração, aos 80 anos, ou fazer uma neoplasia dessas terríveis, em que eu acho que o doente morre duas vezes, uma no auge do diagnóstico e a outra quando dá o último suspiro. Mas eu acho que o meu coração foi feito pra bater uns tantos bilhões de batimentos, ele está codificado para isso, está programado para isso.

Dr. Sebastião: Professor, encontramos no senhor uma pessoa assim extremamente …

Dra. Cibele: Acessível, simpática, gostosa …

Dr. Sebastião: hilária, muitas vezes, não é?

Prof. Adyr: Contamos até umas piadas aqui.

Dr. Sebastião: Eu gostaria de agradecer e deixar um espaço para algumas coisas que o senhor queira falar ou colocar.

Prof. Adyr: Veja, o que eu posso observar é que quando o Rogério me disse que iria ser entrevistado, eu disse: “Não quero, não há necessidade. Para minha pessoa não precisa de mais nada. Estou feliz deste jeito”.

Dra. Cibele: Mas não pode nos privar dessa.

Prof. Adyr: Não, realmente esse é um aspecto que eu não imaginava. Mas eu me sinto profundamente feliz. Eu acho que o bom é a gente ser jovem e saber que é bom. Para esse jovem que está com 40 ou 45 anos, florescendo, isso é formidável. Mas, este aspecto de memória é importante. Os países mais afluentes do mundo, consideram a memória essencial. Aquela história de americano convidar avô do neto para contar sua vida na escola é para valorizar a memória. Mas, eu acho mais importante prestigiar o jovem, o jovem de menos de 50. A memória não substitui a pesquisa, a atualidade e o progresso. A memória apenas lembra aos mais jovens que eles devem necessariamente dar o próximo passo em direção ao progresso. Eu acho que precisamos ter muito mais progresso.

Comments are closed.