Entrevista – Roberto Chabo

Entrevista que revela a sensibilidade de quem lutou toda a vida para reconhecer o trabalho médico. Durante os anos de chumbo da nossa história política, Chabo comandou, no Rio de Janeiro, uma das maiores greves da nossa categoria. A entrevista foi feita em 11 de maio de 2000, 10:30 h da manhã. Participaram do bate-papo o Dr. Horácio Falcão, o Dr. Alan Castro, além do editor da Med OnLine.

Editor


Dr. Horácio: Gostaria que o Chabo comentasse o binômio médico-político, político-médico. Existem incompatibilidades nestas duas atribuições?

Dr. Chabo: Eu acho que vocês estão me prestando uma homenagem mais do que eu mereço. Mas essa sua pergunta é pertinente. Eu sempre tive muito cuidado ao longo de minha militância política de não perder meu referencial médico, pois tenho exemplo de bons profissionais que ao se enveredarem na militância político partidária se perderam, perderam o saber e perderam a experiência. Essa prática exige um trabalho regular, constante e consegui exatamente isso, não sem dificuldades. Minha militância é a política de resistência democrática e tive algumas dificuldades por causa disso. Lembro, por exemplo, que após o nosso primeiro transplante de rim aqui no Rio ( e o primeiro da América Latina ) em abril de 64, um mês depois eu estava preso. Eu esperava receber um cumprimento e acabei na cadeia onde passei 30 dias preso. Eu era um garoto,
solteiro ainda esse sobressalto passei a ter desde cedo. Era recém-formado em 60, lia muito, e também procurava me informar a respeito da minha profissão mas sempre era chamado para emitir opiniões políticas, aqui, acolá, e acabo a fazer parte de um processo nacional de engajamento no movimento sindical brasileiro. A seguir sou eleito presidente do sindicato dos médicos do Rio de Janeiro e aí realmente me desorganizou um pouco como médico. Novamente, fui preso em 81 pois estava fazendo uma greve contra o governo ( e era ilegal ), fui enquadrado na lei de Segurança Nacional, e sem poder atender o consultório, os nefrologistas do Rio, colegas meus, se revezaram pra atender minha clientela no consultório pois comecei a passar a ter dificuldades financeiras.

MOL: Dificuldades financeiras?

Dr. Chabo: Sim … sempre fui uma pessoa que nunca exercitei a aventura de ganhar dinheiro…mas essa minha profissão deu-me muita alegria e poucos bens materiais…não reclamo disso não!…dá pra viver, mas na época eu precisava, pois tinha sido demitido do serviço público, e aí as pessoas foram me ajudar no consultório, faziam meu consultório porque eu estava preso e essa solidariedade me calou fundo e nunca esquecerei disso!

MOL: Medicina e política sindical…como conciliava suas leituras médicas?

Dr. Chabo: Em um determinado momento passei a organizar um movimento sindical no Brasil e vocês podem imaginar o que significa ter que viajar esse país de ponta a ponta, sendo solicitado a fazê-lo…desorganiza sua vida familiar e profissional…. mas eu, as vezes, pegava separatas de revistas importantes e botava na pasta de viajem pra me consolar com a perda das discussões de casos clínicos etc. Evidente que sem a atividade clínica, temia muito ficar limitado e brincava muito comigo mesmo dizendo: “esse cidadão como médico é um bom advogado” (risos gerais). Sempre procurei me atualizar como médico pois sabia que a atividade sindical era finita.

MOL: Ocupou muitos cargos?

Dr. Chabo: Fui presidente da Federação Nacional dos Médicos, fui do Conselho Regional de Medicina, sempre lutando pela boa qualidade da prática médica, sempre lutando pelas questões de saúde nesse país, escrevendo, falando e dando minha contribuição possível na ocasião. Mas o mundo dá muitas voltas, retornei ao trabalho de novo, exercendo as atividades médicas a partir de 91 no Servidor do Estado. Tive que voltar devagar, já não era a criança de 64 e voltava ao trabalho em extrema dificuldade, o hospital estava sendo praticamente desativado, um hospital de 800 leitos estava reduzido a 120, faltando tudo, uma dessas desorganizações graves que são feitas exatamente pra demolir o que funcionava bem nesse país.

Dr. Sebastião: O senhor é nascido onde, em qual data, formado em qual faculdade?

Dr. Alan Castro: E acrescento à pergunta: porque a opção nefrologia?

Dr. Chabo: Eu nasci no Recife em 1935. Na cidade do Recife, pernambucano, e meus pais são árabes. Sou formado pela
Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco, Universidade Estadual de Pernambuco em 60. Vim para o Rio de Janeiro em 61, fazer pós-graduado e entrei como residente no Servidor do Estado.

Dr. Sebastião: Filho de pai e mãe árabes?

Dr. Chabo: Isso. Pai e mãe árabes.

Dr. Sebastião: E são em quantos irmãos?

Dr. Chabo: Éramos cinco. Restam dois, só eu e minha irmã.

Dr. Sebastião: O senhor é o mais velho?

Dr. Chabo: Era o mais novo dos homens, o mais velho já faleceu. Tenho só uma irmã, pouco mais nova do que eu, somos dois
remanescentes. Estou aqui no Rio desde então, fiquei aqui, casei, tive filhos e também perdas enormes….perdi um filho há cerca de 3 anos e meio, num acidente médico, espasmo grave…morreu em casa, em seguida perdi minha mulher com 49 anos.

Dr. Sebastião: Há menos de um ano?

Dr. Chabo: Menos de um ano.

Dr. Sebastião: Eu gostaria que o senhor falasse um pouco mais das perdas do seu filho e sua esposa… como foi esse trauma?

Dr. Chabo: Meu filho morreu no dia 15 de março de 97.

Dr. Sebastião: Foi um acidente?

Dr. Chabo: Não, ele era asmático. Asmático, ele fez um bronco-espasmo e morreu comigo em casa.

Dr. Sebastião: Ele tinha quantos anos?

Dr. Chabo: 25. Com toda a minha experiência de CTI ele não podia ter tido aquilo em casa e…teve! Na minha frente e da minha mulher. Ele ia sair de carro, ele tinha parado de estudar, era um garoto muito bom e tal mas tinha feito uma opção de vida e estava empresariando um grupo de músicos…a personalidade dele nada tinha a ver com…

Dr. Chabo: … ele tinha um pequeno empreendimento, o carrinho dele com a namorada dele, a noiva dele -Aninha- que era psicóloga. Um garoto ótimo…mas eu não tive tempo de escutar meu filho e isso eu lamento muito (bastante emocionado).

Dr. Sebastião: O senhor lamenta a falta de tempo devido a sua grande atividade pública? O senhor mudaria isso hoje se tivesse a oportunidade?

Dr. Chabo: Eu tentaria mudar… é um preço que homens com muitas atividades públicos pagam né? Ficar em dedicação exclusiva ao trabalho acaba tendo seu preço…. mas acho que dá pra você se dividir melhor. Até porque os jovens na faixa etária que ele se encontrava, tem os seus próprios interesses e muitas vezes não dá pra você conciliar. Muitas vezes, quando ele era pequeno eu conseguia fazer isso… mas depois, na faixa etária que se encontrava, dava uma certa distância dos pais. Éramos amigos, senti que ele tinha um certo orgulho de mim, de ver o pai ser uma pessoa em evidência nos aspectos políticos…ele era muito discreto e não tinha vergonha de ser filho do Dr. Chabo, aquele que já tinha sido preso…Quando fui preso ele era pequeno e na escola (Centro Educacional da Lagoa) o pessoal fazia uma certa pressão sobre ele….Bom garoto… Eu sempre dizia a ele que “seu pai não tem patrimônio pra deixar pra você como uma casa e tal, mas eu gostaria que você tivesse um diploma e fosse formado”. Minha conversa com meus filhos sempre foi assim … mas com ele não deu pra concluir a conversa…ele nos deixou…e minha esposa sofreu muito com isso e onze meses depois ela morreu… morreu em janeiro de 98, menos de 1 ano…

Dr. Sebastião: Menos de 1 anos depois. Foi em 98.

Dr. Chabo: Em 98. Pra continuar vivendo, esse trabalho aqui me ajudou muito. Quer dizer, eu tinha aposentado no Servidor do Estado e tem uma característica importante …você se aposenta no serviço público e não volta no hospital a não ser visita. Eu tenho que trabalhar em algum lugar. Não tinha mais idade nem pra fazer concurso. Tinha meu consultório mas eu não sou um homem assim de ficar longe de hospital, minha formação foi toda essa, eu sou um médico de hospital que faz consultório e aí vim pra cá, me convidaram pra, me contrataram como médico, depois me fizeram chefe da clínica médica, depois diretor, eu sou diretor dessa entidade, mas estou me afastando agora porque estou assumindo a Secretaria Estadual de Saúde. Não posso fugir daqui, esse lugar me acolheu com muito carinho. Hospital de 300 anos, antiga Santa Casa e tal, hospital de 300 e tantos anos e hoje como toda instituição privada (aqui, é ordem do Carmo), teve só está tendo dificuldade, como todo hospital.

Dr. Sebastião: Tem outros filhos?

Dr. Chabo: Tenho. Duas filhas. Uma casada me deu uma neta, Ana Gabriela, ela faz fonoaudióloga. Eu tenho uma adolescente, está
fazendo intercâmbio nos Estados Unidos, em Atlanta.

Dr. Sebastião: O senhor mora atualmente sozinho?

Dr. Chabo: É, moro sozinho, mas minha filha está chegando agora. Eu e ela somente.

Dr. Sebastião: O senhor veio do Recife e chegou no Rio após a formatura. Estava querendo fazer exatamente o que?

Dr. Chabo: Fazer uma especialização em clínica médica.

Dr. Sebastião: E onde foi?

Dr. Chabo: Foi no Hospital Servidor do Estado.

Dr. Sebastião: Com quem o senhor fez?

Dr. Chabo: O serviço era com Teobaldo Viana, que era o chefe da clínica médica, e o chefe do meu setor nessa ocasião era Jaime Landmann.

Dr. Sebastião: E o senhor estava com quantos anos?

Dr. Chabo: Eu tinha 26 anos. Vinte e seis anos. Idade boa. O Teobaldo Viana organizou no Rio de Janeiro uma residência médica que acolhia muita gente do interior de todo o Brasil. O rim funcionava no 4o andar, exatamente na clínica médica, e nos passávamos por lá num esquema de rodízio…acabei me interessando pela Nefrologia por causa da diálise que achava muito interessante. Na residência já existia um pernambucano, o Santino.

Dr. Horácio: Quem trouxe esse rim artificial para o Hospital dos Servidores? E quando você chegou ele já estava funcionando?

Dr. Chabo: Já estava sim. Quem trouxe esse primeiro aparelho foi Alberto Gentile e Prof. Teobaldo Viana. Eles foram para Boston, foram para Haward praticaram e treinaram por lá, e no final, compraram esse aparelho.

Dr. Alan Castro: E essa residência do Servidor foi a primeira do Brasil em Nefrologia ou já tinha em São Paulo?

Dr. Chabo: Já tinha em São Paulo. Embora eu não tivesse muita informação a respeito dela. Alias eu posso elogiar os paulistas sem ofender os cariocas, tal como o José Barros Magaldi, que era pessoa símbolo, e era amigo da gente, mas nem todo nefrologista de São Paulo era amigo da gente, havia uma certa diferença entendeu? A visão de São Paulo sempre foi uma visão prática. Tipo: se eu sou bom eu tenho serviço e vou ganhar dinheiro com isso… aqui no Rio ainda é muito de rede pública, a gente não ganhava dinheiro com isso. Se é um defeito ou não, uma virtude ou não, o fato é que eu me formei no serviço público e devolvi ao serviço público o que ele me ensinou. Não ser empresário foi uma opção de vida. Eu não montei meu serviço de diálise, mas tive o privilégio de treinar muito desses colegas que hoje tem seu serviço organizado. No Ceará, em Sergipe, alguns pernambucanos outros do Rio Grande do Sul como é o Biernart.

Dr. Alan Castro: Biernart fez residência aqui? (NR: João Carlos Biernat, ex presidente da ABCDT).

Entrevista Dr. Roberto ChaboDr. Chabo: Biernart fez residência aqui. A Residência aqui era muito boa. Para cá drenavam muitos pacientes de todo Brasil…, Na época, lembro me de um doente chegando com insuficiência renal aguda, mordido de cobra, de Goiás. Essa situação me fascinou muito, até porque o médico gosta muito de desafio, até porque não era interesse pecuniário, ….. tive uma visão multidisciplinada da atividade médica tirou me um pouco desse ar de que eu resolvo tudo e passei a ver que eu não fazia tudo, embora você com 26 anos, recém-formado, você tá mil, mas eu percebi que não podia tudo. Nesse setor da nefrotinha Luiz Carlos Leal, um colega precioso por quem eu preso muito e, meu amigo, o Bedran, … o Santino, de saudosa memória, João Pedro Zezini saudosa memória, falecido, Wanderlube. Eu faço uma ressalva aqui, o Landmann já era professor da Faculdade de Ciências Médicas, catedrático, era um homem talentoso e Ladmann tinha uma qualidade muito interessante…ele usava os seus assistentes como assistentes mesmo! Então nós passamos a ganhar dinheiro não no hospital mas fora do hospital, isso é uma coisa curiosa. Landmann tinha uma clientela muito boa. Ele internava a clientela dele e mandava a gente acompanhar. Ele apresentava a gente e confiava no nosso acompanhamento. Quanto aos honorários, eu via como ele cobrava caro!!! Nas diálises que fazíamos, ele sempre dizia:“o que o cirurgião cobrou eu cobro 3 vezes mais”. Isso eu não poderia reclamar porque ele sempre nos remunerou dignamente. Landiman era um cara muito atualizado, já era professor, já tinha feito a cátedra dele e tinha ideais mais práticos que os outros professores. A gente fez tudo em diálise que se pode fazer, diálise pleural e até diálise salivar!

Todos: Salivar?

Dr. Chabo: Diálise salivar. A gente aspirava, não deixava o cara engolir, aspirava a língua…o resultado era muito precário, mas num lugar onde não tenha nada……. Eu estou dizendo isso como curiosidade, mas a gente fez isso, diálise pleural era uma excepcionalidade. O Landmann sacudia o setor, ele produzia muito, jogava as idéias, a gente discutia com o Bedram que era sempre muito sensato.

Dr. Alan: Mas então a escolha da nefrologia como especialidade…

Dr. Chabo: Então porque nefro…porque tinha um conjunto de pessoas inteligentes, algumas audaciosas e outras muito prudentes e outros muitos trabalhadores e desse caldo deu me uma sensação de que aqui era o meu lugar.

Dr. Alan: Eu queria que você falasse pra gente como é que você viu a transformação da diálise de uma ciência médica para um ato de procedimento, quer dizer, o nefrologista virando um dialisador.

Dr. Chabo: Eu não faço crítica a isso, mas entendo que isso engessa você um pouco. Essa sensação eu tive também quando fiz CTI, depois de sete anos de CTI, você fica meio hipertrofiado achando que é um pouco de Deus. De repente você se questiona, se não está só tratando de macro-problemas. Quanto à diálise, éramos pequenos inicialmente, mas com a demanda tudo foi crescendo, crescendo, e chegamos a ter 25 máquinas simultâneas. Começamos a permanecer no local só para atender as intercorrência. Mas aquilo exigia permanência, você não podia fazer outra coisa aí eu senti um pouco circunscrito…ficar só fazendo diálise. Como eu não saí pra fazer nenhum empreendimento empresarial legítimo, meus amigos fizeram, me convidaram mas eu não me senti animado porque eu me conhecia. Não quero ganhar dinheiro com isso. A diálise inicial
era uma aventura com resultado magnífico: ver doentes que morriam tão precocemente, as crianças com insuficiência renal que já estavam fadadas pra morrer, e se recuperarem… a diálise modificou este padrão. Isso no inicio era excitante, era multidisciplinar, era encantador. A monotonia atual resultou na nefrologia de um único  procedimento: diálise.

Dr. Horácio: Eu cheguei por volta de 75 e encontrei já o serviço de hemodiálise engatinhando. Quando foi que passou a surgir o programa de hemodiálise regular?

Dr. Chabo: O Programa de diálise regular foi em 66, começo de 66. A gente já levava em 68, dois anos depois, os primeiros trabalhos pra Congresso. Evidente que São Paulo já fazia diálise certo? E antes de nós ou tanto quanto nós, já tinha um paranaense, o Molinari que tinha sido discípulo de Scribnner. Adir Milenar era um urologista e se transformou num nefrologista, também já estava fazendo diálise. Chegamos a fazer em certo momento aproximadamente 2.500 sessões de diálise por mês.

Dr. Sebastião: Quando o senhor chegou aqui no Rio em 1961, 62, se tornou médico residente do Servidores, o interessante é que em 64 nós temos o golpe militar no Brasil. Qual era seu pensamento nessa época?

Dr. Chabo: Na realidade, no Rio de Janeiro, minha atuação enquanto residente foi exclusivamente no hospital, eu peguei essa repressão, eu paguei essa punição por conta do meu antecedente estudantil, eu era um homem ligado ao movimento estudantil. Fui dirigente estudantil em Pernambuco.

Dr. Sebastião: Lá em Pernambuco?

Dr. Chabo: Em Pernambuco eu militava no movimento estudantil e conhecia o Arraies. O Arraies era prefeito nessa época, depois foi eleito governador mas eu já estava aqui no Rio.

Dr. Alan: Aí você veio pro Rio e parou de fazer política, você ficou um tempo como residente.

Dr. Chabo: É. Eu achei que era absolutamente necessário parar com a política enquanto era residente. Fui tão obstinado que acabei sendo eleito, junto com o o Aderílio Rios, residentes honorários do hospital. Na verdade, eu paguei um preço pela minha atuação no movimento estudantil em Pernambuco, mas aqui no Rio de Janeiro confesso que eu vivia dedicado à residência médica. Era de manhã, de tarde, de noite, saindo muito pouco para outras atividades…entendeu? Morava ao lado do Servidor do Estado. Eu estava alcançável as 24 horas do dia…quando você chegava atrasado, era uma rua de calçamento entre minha residência e o hospital, o pessoal brincava: “iiih rapaz você atrasou muito”. Como você vê, paguei o preço de minha atividade estudantil, que é a pergunta que você fez.

Dr. Sebastião: O senhor foi preso quando?

Dr. Chabo: Eu fui preso, está no Jornal do Brasil, antes do mês de março.

Dr. Sebastião: A prisão do senhor se deu somente em função da suas atividades quando estudante?

Dr. Chabo: Foi. Em função da atividade estudantil e denúncias, delações de todos os tempos.

Dr. Sebastião: Realmente o que o senhor fazia para ser preso então?

Dr. Chabo: Só trabalhar, trabalhava diuturnamente…só trabalhando.

Dr. Sebastião: Mas não tinha nenhuma atividade considerada subversiva?

Dr. Chabo: Nada, nada, nada, nenhuma atividade.

Dr. Sebastião: E a denúncia veio de onde?

Dr. Chabo: Evidente que o clima no Rio de Janeiro ficou irrespirável, né, uma situação em 64 de caça as caça as bruxas e tal. Quem lembrava de alguma pessoa lembrava de outra e assim por diante. Como o Servidor era um hospital muito referenciado, diziam que havia um comunista ali…acusaram me de ser comunista e fomos presos.

Dr. Sebastião: Mas houve uma denúncia formal?

Dr. Chabo: Dizem que sim. Até se comentou que teria sido um colega do hospital que havia listado alguns nomes e como eu era mais novo, com menos tempo de vida no hospital, ele queria mostrar que o hospital também reprimia, era pra mostrar serviço, diziam que era pra isso…

Dr. Horácio: Só foi você?

Dr. Chabo: Só fui eu. Agora do Rio de Janeiro foi o Carlos Gentile de Melo fazendo companhia, um grande cara o Gentile Melo, um grande sanitarista, tava preso comigo. Ficamos presos juntos.

Dr. Alan: E aí como é que foi? O Hospital se mobilizou? Você ficou quanto tempo preso?

Dr. Chabo: Fiquei preso 30 dias. Fiquei no Dops, na rua da Relação. Fui pro Caetano de Faria onde estava meu amigo Mário Lago, conheci o Mário lá…grande Mário Lago. No meio de figuras tão importantes você assume que é preso-político mesmo, … o hospital me deu grande ajuda, o Leal ia até lá e ficava indignado…o Betram.

Dr. Sebastião: Quem era o diretor dos Servidores na época?

Dr. Chabo: O diretor era o doutor….64…deixe me pensar… não, Aloízio não era diretor não…Sílvio foi em 66…depois eu chego lá, a data, até porque eu tive outra prisão curiosa.

Dr. Sebastião: Então ficou 30 dias preso?

Dr. Chabo: 30 dias preso.

Dr. Horácio: E te trataram bem?

Dr. Chabo: Muito bem. Porque o Aloízio Sales é…parece que era Aloízio Sales o diretor na época, mandou Gastão Veloso (que é um ortopedista primoroso) e irmão do major Veloso de Jacarecanga pedir ao Borel, o chefe do Dops e um grande repressor, autorização para entrar lá e me ver. Tive essa sorte e tal.

Dr. Sebastião: Foi torturado?

Dr. Chabo: Não. Tortura física não. Tortura foi mais psicológica, da incerteza, do destrato e do desrespeito. Tive a sorte que o carcereiro era funcionário do Hospital e me conhecia e vivia pedindo me desculpas a toda hora e ficava com medo de mostrar publicamente que me conhecia. Falava comigo a sos, e se explicava do temor de ser acusado de estar privilegiando esse ou aquele preso.

Dr. Sebastião: Essas figuras suspeitas que o denunciaram ainda circulam por aí?

Dr. Chabo: Alguns…um dos suspeitos de delação, anos depois, meio arrogante, negou tudo. Disse que não denunciou, mas torceu para outro ser preso e esse outro não era eu. (NR: todo mundo pasmo com as preferências do delator). Como vocês podem ver, de certa forma, havia muita gente prestando serviço à repressão. O que aconteceu no hospital comigo, me desorganizou um pouco. Ser suspenso das suas atividades da noite para o dia. Nessa época, eu tive o primeiro incidente com o Teobaldo. Eu era um residente, muito ligado a ele, e ele ficou um pouco nervoso com isso e veio me chamar a atenção. Não gostei porque eu sempre fui muito cortez … e não gostei do dedo dele no meu nariz. Revidei e disse para não me
tratar assim (sempre tive uma cara mais madura e mais velha que aparentava), que exigia um certo respeito. Fui transferido pro Hospital Alexandre Lemem, paguei esse preço, tive que sair dos Servidores.

Dr. Sebastião: Isso depois de ser liberado?

Dr. Chabo: É. E depois que cheguei no hospital ainda tive que responder a 3 inquéritos administrativos.

Dr. Sebastião: Quem foi o responsável pela sua libertação?

Dr. Chabo: Foi a própria não razão de ser da minha prisão. Falta de provas e tal. Tem uma notícia da minha prisão, aí no Correio da Manhã, que diz que todos os meus antecedentes eram da UNE de alguns anos antes. Eu fui buscado em Recife por causa da minha atuação estudantil e amizade com Arraies, mas não estava mais lá, daí me encontraram no Rio de Janeiro, residente no Servidores.

Dr. Sebastião: Quando saiu da prisão, foi transferido imediatamente para outro hospital?

Dr. Chabo: Não, depois. Eu voltei para o hospital e começou um roteiro de inquérito, com figuras exóticas do exército brasileiro. Lembro de um coronel chamado Martineli, famoso Martineli, chamado coronel linha dura…ele amontoava as pessoas no IAPI, ali na rua Almirante Barroso…eles convocavam você as 7:00 da manhã, convoca-se assim sob pena da lei e tal, você chega as 7: 00 da manhã e ficava sentado lá, você é médico, ficava lá de 7:00 da manhã sem comer, sem beber e quando chegava 18 horas dizia estarmos liberados e que aguardássemos nova convocação. Um desrespeito que durou dias e dias…, tortura era essa, incerteza e tal, alguns saíam de lá preso, que era pra mostrar que você poderia sair preso também.

Dr. Horácio: Você voltou a ser preso tempos depois?

Dr. Chabo: Fui mas por outra razão. Quem tem pecado nessa história nunca deixou de cometê-lo, mas, eu vou dizer porque foi. Eu volto para o hospital, respondo a uma série de inquérito mas havia uma expectativa muito desagradável de ser demitido do serviço público. Eu já era servidor público, podia perder o emprego, mas isso não me assustava, não queria era ser preso. Mas havia o risco por causa do Ato Institucional que pairava no ar e permitia o desligamento sumário de servidores públicos ligados a atividades contrarias ao golpe.

Dr. Sebastião: E você não era filiado a nenhum partido?

Dr. Chabo: Não. Não. Era assim simpatizante, mas nunca militei. Mesmo assim era rotulado de comunista. Defender a Petrobrás, defender a política nacionalista, eram bandeiras comunistas. Não te deixavam alternativas, ou você estava de um lado ou de outro. Conheci muita gente de esquerda que não tinha nada de perigosa e ficou rotulada como comunista. No final dos inquéritos nada foi apurado, mas era uma coisa desrespeitosa, ninguém sofria agressão a não ser agressão moral, tipo um policial gritando pra você: “aqui todo mundo afina” dizendo isso e mostrando o cassetete e te olhando nos olhos. Nessas horas, mandava a prudência que você não provocasse seu interpelante, seu interrogador. Você deve responder educadamente, a gente fica aflito nessa hora….Aí a segunda prisão se dá por um ato humanitário. Por causa do socorro ao Betinho.

Dr. Sebastião: Quanto tempo depois?

Dr. Chabo: Dois anos depois, 66. O Sílvio Moreira era o diretor, o Presidente da república ainda era Castelo Branco, o Geizel era o chefe da casa militar. Betinho era meu companheiro de UNE, Hebert José de Souza, foi contemporâneo meu e a gente era muito católico….o fato é que depois Betinho, (que era matriculado no Servidor do Estado por causa da hemofilia dele), necessitou de uma transfusão urgente. Armamos todo um esquema para poder ajudá-lo e assim que ele chegou, vindo do Uruguai-São Paulo-Rio, a polícia federal chegou junto. Quem olhava ele era o Petuchelle, hematologista que cuidava dele com muito carinho. A amizade entre os dois era muito grande, tanto que o Betinho dedica um livro dele, Hiroshima, ao Petuchelle. Todos aqueles que participaram, e eu participei, do socorro vermelho (que é a linguagem que a gente usava), foram presos em seguida.

 Dr.-Chabo-mostra-o-prontuario-do-primeiro-transplantado-renal

Dr. Chabo mostra o prontuário do primeiro transplantado renal (E) e o detalhe à (D).

Dr. Sebastião: E era uma atividade as claras?

Dr. Chabo: As claras.

Dr. Sebastião: Todo mundo sabia.

Dr. Chabo: Assim que ele termina a transfusão dele, é preso e logo simultaneamente, eu também sou preso porque eu tinha
antecedente político. Lembraram que em 64 eu já tinha sido preso. O Betinho é preso e eu vou pra delegacia, para o Dops, no Gae, naquela época, eu não quis narrar essas coisas muito desagradáveis, nesse local onde só tem capacidade para 3 ou 4
pessoas, tinha nessa época, tanta gente que não podíamos dormir sentados, a gente tinha que ficar em pé, fazendo rodízio, todos, médicos, senhores, doutores, ferroviário,ficávamos em pé, sempre em pé para podermos dormir.

Dr. Horácio: E quanto tempo durou isso?

Dr. Chabo: Dois dias porque depois esvaziou alguma coisa, depois a gente voltou a sentar, podia sentar, fazia rodízio, 2 dias, aí você podia sentar, deitar com colchonetes só foi uns 10 dias depois.

Dr. Sebastião: E outra prisão?

Dr. Chabo: Essa foi diferente, essa foi 4 dias e foi interessante. Coincidiu com véspera de natal. O Betinho tinha sido preso também e eu entrei lá e fiz uma advertência: “o senhor Hebert José de Souza, professor, ele é hemofílico, não sei se vocês sabem, ele está sangrando pelo tubo digestivo, pode morrer aqui se não for ajudado”, Eles ficaram preocupados, libertaram o Betinho e me deixaram preso no lugar dele. Eu fui preso por culpa dele, denunciei que ele podia morrer ali, o Boreti tinha enfartado, e estava o inspetor Vasconcelos no lugar dele. Vasconcellos era um inspetor menos truculento mas tinha sofrido um murro de um líder comunista e tava com o queixo quebrado. Imagino que ele estava com raiva de comunista mesmo!
Preso, véspera de nata, ia ficar mesmo lá e emendar o natal com o resto da semana toda. Estava eu e um contrabandista português … Agora estava vazia a cela do Dops. Aí entrou uma figura em cena, a quem eu devo hoje a maior atenção. Ela era, naquela época uma importante secretária do hospital, poderosíssima! Hoje figura proeminente do mundo social e muito bonita. Vamos chamá-la Conceição (NR: nome fictício). Acontece que a irmã de Conceição era amiga de um alto escalão da ditadura que acabou até fazendo de um senador muito amigo de Conceição, um Governador nomeado de um de nossos Estados. Tinha grande influência! Conceição quando soube da minha prisão, liga pra Golberi, Golberi liga pro Geizel e Geizel manda me soltar, pois era o chefe da casa militar. Eu saí, véspera de Natal, graças a Conceição que me ajudou. Betinho
em seguida vai pro México porque não estava em condição de ficar aqui, ele retorna em 79, 80.

Dr. Alan: Como é que você entrou no movimento sindical, de residente, staff, voltou a ser o grande líder sindical.

Dr. Chabo: Eu fazia parte dessa sociedade angustiada, intimidada entendeu? E como os tempos eram difíceis, era uma cidade
intimidada. Era uma cidade intimidada, cidade com medo, eu ainda era solteiro nessa ocasião, então a gente começou a pensar como retomar o sindicato dos médicos. O sindicato dos médicos era dirigido por empresários, eu vou dizer o nome dele,  falecido, ele é dono do Protocol, Luiz Saldanha Felipe da Gama Muriel, esse sobrenome, parente do almirante Saldanha da Gama e era muito conservador e era presidente do sindicato. Por volta de 60, 70, eu já era sindicalizado, mas o sindicato não tinha atividade… Certa ocasião fui levar o Saraiva, colega nosso, de esquerda, gauchão, para se sindicalizar e ouvimos do presidente do sindicato: meu filho, porque você quer sindicalizar … vai pra casa!

Dr. Sebastião: O presidente do sindicato disse isso? (gargalhadas gerais).

Dr. Chabo: O presidente do sindicato. Vá pra sua casa!

Dr. Sebastião: O Muriel?

Dr. Chabo: Sim, o Muriel, presidente do Sindicato. Ele esquece isso mas eu nunca esqueci. Por volta de 76, 77, o ambiente vai se descomprimindo um pouco, a sociedade começa a se movimentar e aí a gente decide a retomar o sindicato, mas eu não podia participar ostensivamente porque era um cara que já tinha tido prisão, e isso dificultava um pouco. Então eu e mais 3 pessoas, eu saíamos e entravamosnos plantões médicos, me apresentava, sentava e ia discutir a situação nossa, o salário e tal, muito tempo, paciência …. Alguns olhavam me com desdenho, outros não, nós estamos tentando refazer o movimento sindical. Você é sindicalizado? Não? É importante você ser sindicalizado e tal e coisa era dita desse tipo. Pois bem, a conversa evidentemente era cansativa porque era individual. Reunir pessoas ainda era muito…

Dr. Horácio: …muito ousado…

Dr. Chabo: A gente entrava nos plantões, no hospital da rede pública e privada, isso rendeu frutos e na eleição (acho que foi em 77), a gente ganhou a parada. Ganha as eleições e o presidente do sindicato seria Fiquel, o grande Mugel Fiquel…

Dr. Alan: … Ele era do Hospital dos Servidores?

Dr. Chabo: Não, ele era chefe do serviço de neurologia, mas o Fiquel por ser judeu e polonês queimaram o nome dele.

Dr. Alan: Ficou então o René Jaime?

Dr. Chabo: Ficou todo mundo! Era o movimento de renovação médica. Eu por fora, eu era só massa, eu era só ativista sindical, sem mandato sindical. Os tempos são 77, 78 e aparece Rocco que é uma figura emblemática, que é um colega, professor que foi assassinado de modo estúpido, recentemente. O Rocco é tirado da cátedra pra ser presidente do sindicato, pois tínhamos pensado em um nome que transcendesse as limitações do sindicalismo. Não podia ser um sindicalista barbudo, nem ferrabrás, tinha que ser um cara professoral e tal, um cara, grande colega, grande médico e a primeira solução foi Rocco que, por pressões da cátedra, renuncia ao sindicato. Quem assume é o vice-presidente João Carlos Serra, que é uma figura conhecida do Rio de Janeiro, coordenador do INAMPS, professor também, ortopedista e tal. Mas o João Carlos Serra, veja as contradições, entra também no PP do Tancredo Neves, que era o partido do Chagas Freitas que era visceralmente
hostilizado aqui. Chagas Freitas foi eleito 2 vezes indiretamente. Foi o cara mais fisiológico que já teve nesta cidade. João Carlos, ao fazer isso, desestruturou o esquema do RENEM MAIS. O RENEM MAIS era uma frente de esquerda com comunistas de várias matizes, petistas estavam se formando, mas já havia o PT esvoaçado que era ex-comunista com raiva dos comunistas, só quem viveu nesta área é que sabe disso e essa frente resolveu combater duramente o João Carlos. Essas forças estavam
chamando ele de chaguista, (é como chamar de malufista em São Paulo), nessa confusão foram me buscar no meu consultório, pelo meu perfil e tal….fui categórico e disse: “não, eu não quero” mas fui numa convenção e acabei indicado. Antes pedi permissão para minha mulher. Na época já estava casado nessa ocasião, eu me casei em 72. Fui eleito em pleito apertado, porque era chamado de chaguista e tal.

Dr. Sebastião: Quem era o outro candidato?

Dr. Chabo: O outro candidato era meu amigo Miguel Olímpio. Miguel Olímpio, que já tinha sido presidente do sindicato em 66, ele tinha um perfil de esquerda, era meu conhecido UNE e aí eu fui eleito. Fui eleito em 80, a posse se dá em janeiro de 81, eram 3 anos de mandato e aí eu chego, me sento, faço um discurso e noto que não era bem aquilo não, o sindicato já tinha um peso qualitativo muito importante, era um sindicato de muita luta, já tinha tirado aquele viés patronal. Eu assumo o sindicato em janeiro prometendo lutar, melhorar condições de trabalho, atendimento a população e melhor salário. Comecei então a articular uma greve, fazendo o mesmo trabalho de formiga já feito anteriormente nas clinicas e plantões. O presidente do sindicato era sempre uma figura respeitada, mas não era muito conhecida, eu chegava, e a pergunta era quase sempre: “o
que esse cara quer?.. já foi eleito, o que ele quer aqui?..” Respondia que queria conversar com vocês, a respeito da nossa dificuldade econômica, eu comecei incendiar essa história toda e a fazer isso pessoalmente. Era janeiro, mês de férias, mandei minha mulher com as crianças pra praia, lá pra Araruana onde tenho uma casa e fiquei aqui 30 dias com tempo todo livre. Eu passava o dia todinho nos hospitais públicos conversando com os médicos, com 2, 3, 4. 5, 6, 7, isso durante dois meses. Em março, na primeira assembleia que a gente convocou, encheu a ABI com quase 1.000 pessoas, um fenômeno. Estava num momento histórico em que aquilo teria que ser feito por mim ou por outro, porque é isso que acontece na sociedade. Em um certo momento aparece uma pessoa que interpreta as tendências e sentimentos gerais e acaba encaminhando-os. Fazia política pra entender que a sociedade estava sendo ultrajada, sacrificada e eu queria que o dinheiro público fosse servido mesmo, não pra negócio, mas para o pagamento digno dos profissionais da saúde e o atendimento de qualidade. O médico não era responsável por desvios nem fraudes e esse era o discurso de todos nós idealistas, alguns de nos mudamos, mas eu não, eu
fiquei a mesma coisa! Então a gente começa a fazer isso e termina num ato muito importante que foi decretar uma greve para o Rio de Janeiro.

Dr. Sebastião: Estado e município?

Dr. Chabo: Estado e município.

Dr. Alan: Interessante que eu era estudante nessa época e já participava dessas assembleias nobres do município e o Chabo sempre foi o presidente, com uma oposição muito grande da esquerda. E ele conseguia encabeçar o movimento, conseguia contemporizar aquela posição e foi caminhando, centralizou e foi uma grande figura mesmo!

Dr. Chabo: Sabe porque? Porque não podia trair a decisão da assembleia! Existe sempre essa abertura, essa forma democrática de condução que acaba por granjear a confiança de todo o grupo. A greve acontece em março e dura quase 60 dias. Eu ia São Paulo, o pessoal de São Paulo vinha aqui, Minas, então realmente a coisa cresceu, alguns estados como Minas, tinha lideres importantes como Celinho. Era um líder ascendente, era meu amigo, ele é desse movimento, Célio Castro.

Dr. Sebastião: Prefeito de Belo Horizonte?

Dr. Chabo: Prefeito de Belo Horizonte, e aí a gente começa a, faz o movimento, tem algumas conquistas é verdade, é que melhorou o alto estima do médico brasileiro porque essa greve era de muitos frutos, organizou-se o movimento sindical, mas aí me prenderam novamente! O Cerqueira, esse que matou o Lamarca, é que faz questão de me prender.

Dr. Sebastião: Pós-greve?

Dr. Chabo: Na greve. Na vigência, o sindicato sofreu intervenção. De São Paulo, veio o Teotônio dando uma muito boa solidariedade, Eu tinha transferido o sindicato pra Sociedade de Medicina e Cirurgia, Para complicar ainda mais, jogaram uma bomba no Rio Centro, em plena greve. Conseguimos reunir 10.000 médico sem greve!

Dr. Sebastião: E a reivindicação básica?

Dr. Chabo: Era salarial. Quem eram os interlocutores do governo: Delfim Neto, Macedo (Ministro do Trabalho)… eu me  lembro, Delfim era um deles o governador era Chagas Freitas.

Dr. Sebastião: Mas nesta greve tinha algum quesito contra a ditadura, coisas mais gerais?

Dr. Chabo: E aí a questão é a seguinte: Era um leque de reivindicações que envolvia o Estado, o Município e os Ministério da Saúde. É claro que quando você fala melhores condições de trabalho, o Marcos Hoette trazia alguns caras de São Paulo para discutir as condições de trabalho, fotografava, mostrava, fazia exposição mostrava as mazelas do serviço de saúde denunciando a precariedade geral. A gente conseguiu fazer e convencer a população, Fomos nos morros e, realmente, foi um interessante movimento, talvez não pudéssemos reproduzi-lo hoje mas, naquele momento, foi possível. O Lula veio também participar de algumas assembleias. Tem uma foto histórica, eu com ele, no corredor da Associação Médica.

Dr. Horácio: E nessa terceira prisão, quanto tempo você passou e se você considerou sair do país?

Dr. Chabo: Dessa vez, se não foi a mais confortável, foi a que eu tive mais respaldo. Foi uma solidariedade espantosa envolvendo meu nome. Para arrecadar fundos a Associação Médica criou um crachá com meu nome: o crachabo. Comprar o crachabo ajudava nas finanças do sindicato e ao mesmo tempo participava da luta para me retirar da prisão. O Alan deve lembrar disso, fazia-se um crachá pra fazer finanças porque o sindicato tava sob intervenção e precisava dinheiro pra pagar a despesa, as pessoas faziam doação. Quando eu fui preso, tudo mudou. Todos queriam ser o Dr. Chabo. Isso deu uma repercussão na imprensa, na sociedade, todo mundo se julgava Dr. Chabo, eu então eu estou preso também….grande
solidariedade…me emocionou muito…. e com isso eles perderam a parada. Você imagina o professor, catedrático, Pitangui, na Santa Casa, fazendo greve? A Santa Casa nunca tinha feito greve, os professores fecharam, eu fui lá e eles se solidarizaram entraram em greve. Quando fui preso, foi um negócio de comoção nacional. O pessoal ficou muito sensível, fiquei orgulhoso e tal, mas a minha mulher preocupadíssima, meus filhos preocupados. Eu não queria ser preso mas você é levado, eu senti que seria preso. Fui levado da Sociedade de Medicina e Cirurgia, mas o Jornal do Brasil conseguiu flagrar uma Kombi me levando, polícia no fundo e a Kombi me levando, seqüestro. Fui levado pro Dops de novo no Caetano de Faria e ninguém queria assumir minha prisão. Aí foi diferente, já não era o Chabo de 66 de 64, era Roberto Chabo presidente do sindicato, uma figura notória e ninguém queria assumir minha prisão, nem o governador, Fiquei horas esperando ir para a cela. Aí veio Evandro Mendes e Silva se oferecendo pra me defender. Nesse ínterim chega um delegado de nome Conde e diz assim: “que negócio é esse que está havendo aqui, heim? Minha filha é médica e disse que não tocasse em você, pediu que eu lhe respeitasse” Dom Eugênio Sales, então entrou na jogada e Délio Jardim de Mato também. O Délio consegue que o Tribunal Militaerse reúna antes para julgar o meu caso, pois ia entrar em em recesso. O Dom Eugênio falou comigo, e disse que entendia que o movimento era
justo, mas não ia hipotecar solidariedade. Foi então falar com Chagas Freitas.

Dr. Horácio: Ele foi visitar você na prisão?

Dr. Chabo: Não, ele não foi visitar na prisão. Ele falava por telefone. Ele chamou o Chagas Freitas disse que ia ao palácio, Chagas Freitas preferiu ir no palácio dele.

Dr. Horácio: Pensei que ele fosse dar a extrema unção.

Dr. Chabo: O fato é fui solto e houve uma festa enorme. Nós estávamos em 83, e quem me libertou foi o João Figueiredo, o presidente.

Dr. Horácio: Não sei se eu perguntei se você pensou em sair do país?

Dr. Chabo: Não, apesar de alguém ter sugerido na ocasião. Nós achamos que não havia necessidade e, até porque o clima de
solidariedade era tão grande que ninguém me tocaria, como não tocou mais.

Dr. Sebastião: E a greve teve fruto?

Dr. Chabo: As pessoas ganharam promoções, houve uma melhoria salarial, começam a abrir concursos para novas contratações. Antes não haviam concursos para entrar nos hospitais, e agora até o SNI passou a garantir que os concursados entrariam…quem passou…passou mesmo! Tudo fruto da luta, fruto da luta.

Dr. Alan: Eu queria fazer uma pergunta também que eu acho que é um assunto que envolve muito o nefrologista. Nós exercemos uma especialidade cara e muitas vezes o gestor público acusa o nefrologista de estar gastando muito dinheiro do SUS, pra um benefício pequeno da população. Você Chabo, como nefrologista e hoje, como gestor público da Secretaria Estadual de Saúde responde isso?

Dr. Chabo: Eu não compartilho dessa opinião, eu quero ser honesto comigo mesmo. Saúde é direito de todos e todos devem ter acesso a todos procedimentos que possam beneficiar sua saúde. O gestor público não pode ser contraditório e dizer que pode dar isso e faltar aquilo, foi esse motivo de debate que eu fiz antes de ontem na Bioética em Neoplasia, com Jacoh Clear no Inca. Eu sempre posicionei a favor dos nefrologistas sem ser empresário. Nada de ilegítimo em ser empresário. Se, por exemplo, você vai dar preferência ao tratamento de pacientes portadores de câncer ao invés desse ou daquele outro problema, você acabará criando uma perversa discriminação. Se fosse no Haiti, que não tem dinheiro pra nada, na África, não tem, não tem dinheiro…não vai dar! Mas aqui tem! Tem muito dinheiro, tem tanto dinheiro que faz a prosperidade de muito milhardário, de muito empresário, de grandes negocistas a nível ministerial, todos fazem grandes negócios no Brasil, então se
tem dinheiro pra isso, porque não para a saúde? Quem faz o trabalho, quem executa o trabalho honestamente, eu não posso ser
contra.

Dr. Horácio: Mas você não alia o nefrologista, empresário da diálise, ao capitalista não é?

Dr. Chabo: Não, não, não. Longe de mim, até porque alguns de vocês, são artesãos e um artesão ganha dinheiro com seu trabalho. Ele não é um capitalista, ele pode ganhar um pouco mais, um pouco menos. Eu me lembro que estava no interior de Tocantins e Gentile era muito impiedoso com proprietário de casa de saúde, só que no interior de Tocantins não tem hospitais. O sujeito monta a sua clínica com 4 leitos e aí eu digo: “Gentile você não pode chamar esse cara de empresário, é ferramenta de trabalho dele, essa é a intenção”. A diálise é tua ferramenta de trabalho e, para que ela possa te dar um retorno, você tem que ter várias ferramentas de trabalho, e para atender a demanda de quem solicita é até insuficiente porque está sobrando gente que necessita da terapia. Algumas pessoas empreendedoras vão ganhar mais dinheiro, mas certamente não vão ficar ricos, …pois rico, rico, rico mesmo é Bill Gates.

Dr. Horácio: Você mantém atividade no consultório?

Dr. Chabo: Mantenho.

Dr. Sebastião: Dorme tarde e levanta cedo?

Dr. Chabo: Eu sempre gostei de ler muito e dormir pouco. Durmo pouco mas eu durmo tarde. Habitualmente, as vezes até 1:00 hora da manhã e acordo as 5:30 – 6:00 horas.

Dr. Sebastião: E não tem inimigos?

Dr. Chabo: Não, não, não. Eu sempre procurei nunca levar nada para o campo pessoal.

Dr. Alan: Isso eu posso dizer que eu vi. O Chabo, apesar de ter uma posição ferrenha no sindicato e na federação, nunca criou inimigos. Na missa da sua esposa estava todo mundo lá, foi uma missa lotada. Todo mundo em respeito a dor que ele sentiu.

Dr. Sebastião: Chabo, estamos terminando a entrevista e gostaríamos de agradecer a sua boa vontade em nos atender.

Dr. Chabo: Eu fico lisonjeado, disse no início da entrevista que haveriam outros colegas mais capacitados, com mais vivência para poder fazer, prestar essas informações ou relembrar suas memórias. Mas se coube a mim essa tarefa eu agradeço a deferência e o privilégio de ter sido o escolhido para essa conversa, que foi uma conversa informal e que me comoveu em alguns momentos. Finalizo afirmando que o médico deve fazer da sua prática médica um exercício de plenitude científica, mas não deve perder a perspectiva política da sociedade. Isso significa a participação política, é por isso que a gente se desorganiza, é fraco, você tem o saber mas a organização política é fragilizada, está na mão dos malufes, dos aventureiros e tal. Esse país merece melhor liderança política.

Comments are closed.